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Colunista

PAI DÁRIO DE OSSAIN | Babalorixá

Uma encruzilhada chamada Pai Dário

Peço agô! Licença para fincar meus pontos-palavras com essa coluna no Axé News. Espaço que pretendo trocar e compartilhar reflexões, histórias, inquietações e sabedorias adquiridas ao longo da minha trajetória de vida. Eu sou um homem negro, babalorixá do Ilê Axé Oníṣègùn, cria da favela da Serrinha em Madureira. Sou jongueiro por tradição, do samba, cria do Império Serrano, educador, gay e militante dos direitos humanos. Sou o resultado do encontro entre esses universos pretos que dão vida não só a quem sou, mas que são expressão de territórios, pertencimentos, ações e movimentos que impulsionam a construção de um viver com dignidade e abundância.

Nada sobre nós sem nós! E quem é esse nós? Ou melhor, quem é a pessoa que se educa em meio a valorização do Nós e que assina essa coluna? Acredito que é importante, antes de qualquer coisa, demarcar a “encruzilhada” que me forma e dá sentido aos caminhos que me permitiram chegar até aqui.

A favela que eu nasci e me criei é um quilombo urbano, berço da cultura do Jongo e da cultura do Samba. Quando eu me entendo ali, um menino negro, cercado do samba do Império Serrano, cercado do jongo, das tantas famílias que faziam jongo ali, cercado com o samba do Império do Futuro. Eu acredito que muito da minha formação é baseada nessa cultura, que é uma cultura preta, que é uma cultura ancestral, que é minha, sabe? Certamente, é por isso que acredito que a arte e cultura salvam vidas e que hoje eu seja coreógrafo e tenha fundado com outros jovens negros a Companhia de Aruanda.

 

É nesse mesmo universo também fui criado numa lógica comunitária onde você pede uma xícara de açúcar ao vizinho. A favela como local onde nós olhamos o filho do vizinho e da vizinha para ir trabalhar. As pessoas cuidam umas das outras. Então, a favela ela me formou como um indivíduo no sentido do que é Ubuntu. “Eu sou porque nós somos” está na dinâmica da favela. A gente junta todo mundo para virar a laje do outro, para subir o material de obra da “tia” e do “tio”. Tem uma frase da vovó Maria Joana, mãe de Mestre Darcy, que eu vou falar aqui que é: “nós não somos donos de nada. E o que recebemos temos que passar adiante”. Tudo é nosso, tudo é de todo mundo e eu aprendi a viver assim.

 

Nasci gay. Acho que ninguém se torna gay, a gente nasce gay. Então as questões LGBTQIA+ hoje, me tocam e me atravessam profundamente. Eu sinto a alegria de ser, de pertencer ao povo LGBTQIA+, e a alegria que esse povo tem, que o nosso povo tem de mesmo nas dores se levantar para correr atrás e criar maneiras de florescer mesmo que no asfalto.

 

Eu posso dizer que eu tenho vários espelhos, várias bichas mais velhas que fizeram história na Serrinha. Eu costumo dizer que eu fui criado numa bolha positiva porque lá na favela eu podia ser o afeminado filho da Dona Kátia. Eu só fui entender que eu era diferente, que o ser diferente na linguagem do outro, na visão do outro, que a minha orientação sexual, ela tinha problema quando eu apanho dentro do ônibus pelo simples fato de estar arrumado com uma roupa que os agressores consideravam pintosa. E aí eu encaro de frente, levanto essa bandeira de luta para que nenhum outro jovem gay, lésbica, trans, bi e demais formas de ser e existir no mundo mais sejam agredidas.

 

Eu enquanto um babalorixá acredito que o Candomblé é a nossa filosofia de vida. A filosofia do povo preto. Filosofia que se encontra também pelos caminhos da favela. O terreiro é esse lugar múltiplo, um lugar de acolhimento, de cuidado. Também é um lugar de encanto pra mim. A indumentária, o som, as vestimentas, as danças, a culinária e a educação que é a base que sustenta toda a vivência dentro do terreiro. Não por acaso eu vou me entender por gente dentro do terreiro convivendo e aprendendo com os Orixás, as entidades, as nossas mais velhas. Se eu sou o que sou é por conta da educação de terreiro. É dessa formação que eu tive dentro do terreiro e com minha mãe Kátia, que é uma mulher de Ogun, que educou a nós, seus filhos com dignidade e valores vivenciados por nós de axé. É como sempre gosto de afirmar: se não fosse o Candomblé eu não estaria aqui com a mesma dignidade.

 

Eu vivo para o terreiro. Eu sinto o cheiro do candomblé, a força do candomblé, a essência do terreiro. Eu o respiro. A minha ancestralidade é algo que eu tenho de maior valor na minha vida. Então, o espaço terreiro, pra mim, representa principalmente o lugar de troca, de cuidado com essa ancestralidade. É o lugar de ouvir a minha ancestralidade, o espaço onde recarrego as minhas forças, minhas energias. É o território cujo minhas raízes estão fincadas, terra sagrada alimento para seguir a luta por dignidade e respeito para o povo negro, povo de terreiro, a comunidade LGBTQI+ e as favelas e periferias desse Rio de Janeiro e Brasil afora.

 

Ninguém é feliz ou infeliz sozinho. E sendo assim, que a felicidade seja coletiva, que os motivos para o bem viver sejam compartilhados e construídos comunitariamente respeitando as diferenças e fazendo delas, motivos para encantar o mundo, assim como as ervas o fazem em suas especificidades.

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