Por: Lelo Oliver
03/11/2024 | 12:50
A escrita preta, fruto de um longo processo de luta pela voz e pela presença da população negra na sociedade, assume hoje uma função essencial de resistência e conscientização. Na busca pela valorização de suas raízes culturais e na afirmação de uma identidade historicamente marginalizada, escritores e escritoras negras revelam, por meio de suas obras, as complexidades e belezas de uma cultura rica, porém muitas vezes silenciada. No Brasil, a escrita preta torna-se ainda mais importante ao desafiar a intolerância religiosa, especialmente contra as religiões de matriz africana, que enfrentam forte preconceito e até ataques violentos. Esse movimento literário torna-se, assim, uma ponte para a educação e a empatia, ajudando a desmistificar estigmas e a promover o respeito e a compreensão.
A luta da população negra pela expressão de sua cultura e religião remonta ao período colonial, quando africanos escravizados traziam consigo sua fé, rituais e conhecimentos, porém eram forçados a esconder suas práticas religiosas para sobreviver. Essas religiões, como o Candomblé e a Umbanda, acabaram por se transformar em símbolos de resistência cultural. A literatura negra, ao registrar e transmitir essas histórias, cumpre o papel de resgatar e valorizar esses legados, que foram frequentemente distorcidos e marginalizados pela sociedade. Autores como Abdias do Nascimento e Carolina Maria de Jesus fizeram história ao usar a literatura para denunciar o racismo e a intolerância, abrindo caminho para novas gerações de escritores e escritoras negras que dão continuidade a essa luta.
As religiões de matriz africana continuam sendo alvos de preconceito e violência em pleno século XXI. A desinformação e o estigma criaram uma narrativa distorcida sobre essas práticas, retratando-as como "obscuras" ou "perigosas", em detrimento de sua verdadeira essência espiritual e cultural. Esse preconceito se reflete em ataques físicos a terreiros, agressões a praticantes e marginalização dos ritos em diversos setores da sociedade. A escrita preta, ao dar voz a esses praticantes e apresentar a profundidade e a beleza dessas religiões, oferece uma alternativa poderosa para combater tais ideias preconcebidas. Por meio da literatura, o público pode conhecer e respeitar essas tradições, compreendendo que são parte fundamental da identidade cultural brasileira.
Autores e autoras negras atuais, como Conceição Evaristo e Itamar Vieira Junior, utilizam suas obras para sensibilizar o leitor e construir pontes de compreensão sobre as religiões de matriz africana. Ao escrever sobre a experiência negra e o impacto do racismo e da intolerância religiosa, esses escritores desafiam a visão dominante, promovendo a empatia e o entendimento. Seus textos são uma forma de educar a sociedade, não apenas ao contar histórias de dor e resistência, mas ao celebrar a força e a espiritualidade que essas religiões representam para seus adeptos. Além de conscientizar, esses textos buscam humanizar e normalizar as religiões de matriz africana, que muitas vezes são vistas apenas como excentricidades ou exotismos pela sociedade em geral.
Com a internet, a escrita preta ganha novos meios de difusão e conquista espaços que antes não lhe eram permitidos. Blogs, redes sociais e plataformas literárias se tornam locais importantes onde vozes negras denunciam a intolerância religiosa e educam sobre as religiões de matriz africana. Escritores, ativistas e influenciadores negros podem agora alcançar um público mais amplo, incluindo pessoas que talvez nunca tenham tido contato com essas perspectivas. Essa presença digital permite que a resistência negra se fortaleça, rompendo barreiras geográficas e ampliando o acesso a uma educação crítica e inclusiva.
A escrita preta, ao abordar a intolerância religiosa, não deveria estar restrita a círculos acadêmicos ou literários, mas deve fazer parte do currículo escolar e de discussões educacionais. Incluir autores e autoras negras e suas perspectivas sobre as religiões de matriz africana nos materiais escolares é uma maneira de desmantelar preconceitos desde a base. Quando as crianças e adolescentes entram em contato com essa literatura, elas têm a chance de entender e respeitar essas tradições desde cedo, contribuindo para a formação de uma sociedade mais tolerante e justa. Além disso, a representatividade negra na educação é crucial para que estudantes negros possam ver suas histórias e culturas valorizadas e respeitadas.
A escrita preta é uma das ferramentas mais poderosas na luta contra a intolerância religiosa e o racismo. Ao dar voz às experiências negras e desmistificar religiões de matriz africana, ela constrói pontes de compreensão e empatia que rompem com o ciclo de preconceito e violência. É, acima de tudo, uma forma de resistência e afirmação da identidade negra, que luta por espaço e respeito em uma sociedade que, por tanto tempo, tentou apagá-la. A literatura negra não só enriquece a cultura brasileira, mas também promove uma visão de mundo inclusiva e acolhedora. Celebrar e apoiar essa literatura é um passo essencial para uma sociedade que respeite e valorize todas as expressões religiosas e culturais.
Lelo Oliver
Produtor Editorial, Design Gráfico, Capista e Diagramador. CEO da Onirá Editora e do selo Novos Griôts. Com Vários Livros e Revistas produzidos e Lançados dentro e fora do Brasil. Revista Escrita Sete (Portugal, Frankfurt e em breve Estados Unidos). Foi indicado com dois livros no Aclamado Prêmio Jabuti. Foi indicado com um livro na academia Brasileira de Letras. [+ informações de Lelo Oliver]
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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews. |
E perfeito toda a colocação sobre a escrita preta, e sim ter essa escrita dentro das escolas também ajudaria muito as crianças pretas a também desde cedo a exercer sua cidania, aprender amar sua cor ,cabelo e entender o que é bullying desde a infância.
Parabéns ao autor Lellos Oliver e a toda direção do Axé News vocês são importantes para nossa sociedade de Axé .
Andreia de Oxun 🌻