Por: Filipi Brasil
27/09/2024 | 08:01
Quem não guarda boas lembranças e memórias afetivas do dia de São Cosme e São Damião?! As crianças contavam os dias nos dedos para a chegada de 27 de setembro, pois este era o grande dia de correr atrás de doces, da saudável disputa de quem pegava mais saquinhos. Dessa forma, observamos, claramente, o quanto religiões de matrizes africanas influenciaram a cultura popular brasileira, no qual fiéis distribuíam doces em agradecimento às graças e dádivas alcançadas pela falange das crianças.
Nesse sentido, a religião de Umbanda, através da falange de Ibejada, foi responsável para a difusão dessa cultura. A falange das crianças é considerada um dos pilares de sustentação da religião umbandista, também sendo conhecida como “Dois-Dois”, “Cosminhos” etc.
O nome “Ibejada” surge de uma corruptela oriunda do orixá “Ìbéjì”, advindo da tradição jeje-nagô, que simboliza os gêmeos filhos de Iansã e Xangô. Assim sendo, Ibeji foi assimilado sincreticamente com São Cosme e São Damião; todavia, na Umbanda, os santos gêmeos ganharam um irmão denominado Doum, passando a formar um trio.
Montes (2011) afirma que Doum seria Idowu, sendo o nome dado pela cultura iorubana ao filho que nasce após os gêmeos. Esse terceiro filho, detêm a simbologia que nenhum mal pressagio ocorra na família, pois, durante muitos anos, acreditava-se que ter o nascimento de gêmeos em família fosse uma espécie de mal agouro.
Destaca-se que na religião umbandista, Doum está presente nos gongás dos terreiros e em muitos dos pontos cantados. O console que faz parte da tradicional imagem católica de São Cosme e São Damião, deu lugar à imagem de um terceiro santo, mais novo e menor – Doum.
Historicamente, segundo o artigo publicado por Freitas (2019), os primeiros registros identificados em jornais antigos sobre a cultura da distribuição dos saquinhos de doces, são referentes à década de 1950, no Rio de Janeiro - período de apogeu e crescimento dos centros de umbanda. Ressalta-se que, nessa mesma fase, foram encontrados registros desses festejos no Candomblé Baiano e em Recife.
Todavia, com o crescimento das religiões neopentecostais nos anos de 1990, dos narcotraficantes de Jesus, nos anos 2000 e pelo discurso de ódio incitado por muitas lideranças evangélicas, fez reduzir drasticamente a prática da distribuição dos saquinhos de doce, por conseguinte, sendo notório uma tentativa de apagamento dessa cultura em virtude do racismo religioso. Ressalta-se que ser umbandista é um ato de resistência cultural, social, político e religiosa.
Apesar dessas situações desafiadoras, nos apeguemos a mensagem e os valores de amor, sentido da vida, alegria, felicidade, ao novo e ao ressignificar proposto pela falange das crianças. Diante disto, nada mais simbólico do que o dia de culto à falange de Ibejada ser poucos dias após a chegada da primavera. Por fim, que as crianças façam florescer tudo de melhor em nosso jardim da vida. Salve as Crianças! Oni Beijada! Beji, Beijada!
FREITAS, Morena. Correndo atrás de doce: socialidades na festa de Cosme e Damião no Rio de Janeiro. Ponto Urbe. Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, n. 24, 2019.
MONTES, Maria Lucia. Cosme e Damião: a arte popular de celebrar os gêmeos. Coleção Ludmilla Pomerantzeff/Textos Maria Lucia Montes, Jaime Sodré, Cândido da Costa e Silva. São Paulo: EXPOMUS, 2011.
Filipi Brasil
Filipi Brasil é médium, escritor e estudioso da seara umbandista há mais de 25 anos. Sacerdote do Templo Espiritualista Aruanda, Filipi é também psicólogo, Mestre em Psicologia, especialista em Psicologia Transpessoal, além de ter MBA em Gestão pela Qualidade Total, em Educação Corporativa, e em Gestão de RH. Terapeuta Holístico, Filipi também tem formação em Coach, é consultor de RH e de Desenvolvimento Humano. Autor dos Livros Sob o Céu de Aruanda, Zé do Laço e Mariazinha, Filipi é também co-autor do livro As Cartas Ciganas e os Orixás.
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