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A importância do sacerdócio no combate ao racismo

Por: Mãe Jaci


09/12/2024 | 20:40


O Brasil é o maior território habitado por pessoas negras fora do continente africano, e sua própria história explica os motivos. Não por acaso, é também o país que concentra as maiores infiuências culturais vindas da África, algumas das quais, inclusive, se tornaram religiões.


Entretanto, com o constante apagamento da contribuição e das referências negras na história deste país, muitos que se utilizam dessas heranças africanas já não as reconhecem como tal. Isso ocorre porque, apesar da origem, elas se se tornaram tão "embranquecidas" que sua identificação se tornou mais difícil.



Já há, inclusive, quem acredite, por exemplo, que Iemanjá seja uma mulher branca de longos cabelos.


Por outro lado, há pessoas socialmente e indiscutivelmente negras que buscam suas referências em um salvador não negro. Fazem isso utilizando a prerrogativa de seu nascimento em uma parte do mundo que também foi separada da terra-mãe, na ânsia de encontrar afinidades históricas com sua nova religiosidade.


Dessa forma, toda a herança cultural africana passa por um preocupante processo de embranquecimento. Esse fenômeno parece ser reflexo da falta de referências que acolham os semelhantes dentro de qualquer base cultural.


Essa contradição é especialmente alarmante, considerando que falamos de hereditariedade ancestral.


Entretanto, ao adotar uma cultura para si - seja ela comportamental, artística e/ou religiosa - o indivíduo não deixa de ser quem foi ensinado ou de quem precisa ser na sociedade; apenas se adequa a novos formatos. Isso ajuda a explicar as alterações culturais e a falta de afinidade com a negritude como reflexo social dentro dos terreiros.


Por isso, ao falar das crenças de matriz africana - aqui denominadas religiões afrocentradas, em respeito às suas diversas vertentes -, é essencial agir com conscientização antirracista. Do contrário, corremos o risco de não haver mais fontes dessas energias para cultuarmos.


Considerando que esses cultos giram em torno da espiritualidade vinda do continente africano e tradicionalmente transmitida em corpos negros, como será possível garantir sua continuidade se esses corpos estiverem ausentes?


Assim como entendemos que cada corpo feminino carrega a essência de Oxum, podemos também considerar que os jovens negros, que morrem a cada 17 minutos no Brasil, carregam a essência de Ogum?


Se a resposta for sim, então as pessoas que exercem o sacerdócio afrocentrado têm o dever de preservar as memórias e o legado ancestral. É necessário reconhecer que, na posição que ocupam, possuem poder e influência que podem e devem ser usados para proteger as forças que cultuam, dentro de uma sociedade esmagada pelo racismo.


Sob essa perspectiva, ser antirracista deixa de ser uma escolha e torna-se uma obrigação, mesmo para quem só pode falar do lugar de uma pessoa não negra.


É chegado o momento de tratar o racismo como uma "roupa suja" que precisa ser lavada dentro de casa. Do contrário, como poderemos defender os rios de Oxum - uma mulher preta e destemida que, em nossa sociedade, vemos refletida em tantas outras mulheres que trabalham, criam fiihos, choram sobre os caixões de seus jovens assassinados, sofrem violência doméstica e seguem sem acoihimento, até mesmo dentro dos seus templos de fé?


Não é possível pregar o antirracismo religioso sem antes enfrentar o racismo, inclusive dentro dos espaços de cultura e religiões afrocentradas. E esse é um trabalho que deve ser realizado de forma consciente e coletiva: abrindo as portas dos terreiros para discussões sobre o tema, buscando conhecimento e, principalmente, partindo do princípio de que ser uma pessoa de religião de matriz africana insere o indivíduo no contexto da hereditariedade da negritude, mas não o torna, automaticamente, uma pessoa negra ou antirracista.


O caminho é reconhecer essa realidade e seguir na luta para ajudar a garantir a existência segura da nossa comunidade.



Ẹ̀gbọ́n Moyses de Ògún - AxéNews

Mãe Jaci

Jacineide Soares é Mãe Jaci, Sacerdotisa do Candomblé, formada em Gestão de Recursos Humanos pela Unigranrio. Empreendedora Cultural, escritora, palestrante, fundadora do Coletivo Colo de Mãe Preta e do CHAO - Centro Humanitário Abebé de Ouro. Presidente estadual do MOVIDADE - Movimento Democrático Afrodescendente pela Igualdade e equidade racial, e dirigente do Terreiro Casa do Abebé de Ouro, no município de Maricá, RJ.


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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.


3 Comments


m.cristina.lsoares
há 7 dias

Parabéns minha filha tenho muito orgulho de ser uma mulher preta bem representada por vc, que Osun te abençoe te acolha com muito axé ❤️💃🏿✊🏿

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Vanessa Andrade
Vanessa Andrade
há 7 dias

Gratidão por esta contribuição tão necessária e elucidativa. Parabéns!

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Emy Soares
Emy Soares
há 7 dias

Que texto incrível, obrigada mãe Jaci por elucidar bem a posição dos não negros na participação das culturas e religiões de matriz africanas.

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