Por: Iya Monadeosi
17/04/2023 | 14:46
1. Introdução
As línguas bantas foram transplantadas para o Brasil pelos seus falantes, através
da migração imposta aos povos africanos, a partir do século XVI.
A presença de línguas bantas deve ser considerada tanto no português brasileiro,
quanto no contexto do repertório linguístico da nação de candomblé congo-angola, cujas
dinâmicas estabelecem diálogos com a cultura nacional, preservando em seus espaços
um modo de ser e existir, capaz de manter aspectos culturais, históricos, sociais e
linguísticos.
Embora possam ser encontrados alguns termos e textos de outras línguas bantas,
nos candomblés da nação congo-angola, neste trabalho, se fará uma breve abordagem
apenas de uma dessas línguas: a língua kimbundo.
Este artigo tem por objetivo a análise do termo inzila, utilizado nesses
candomblés, sob dois aspectos: linguístico e antropológico.
Assim, a análise do termo servirá de pretexto para descrever, sucintamente,
aspectos linguísticos e culturais presentes nos territórios tradicionais de candomblé da
nação congo-angola.
2. O termo banto
As línguas bantas pertencem à subfamília bantóide que possui diversos grupos e
subgrupos, sendo o principal deles, o grupo banto. Esse grupo constitui a maior parte da
família bênue-congo, do tronco nigero-congolês.
Por volta de 1862, o linguista Wilhelm Bleek propôs o termo banto para
designar um grupo de, aproximadamente, 480 línguas faladas na região centro-sul da
África. O termo foi proposto devido à homogeneidade que possuem essas línguas.
Em kikongo, uma das línguas do grupo, a denominação banto origina-se do
radical /-ntu/ ‘pessoa’ precedido pelo prefixo plural /ba-/ ‘pessoas’. A raiz da palavra
pode ser encontrada em outras línguas bantas, ligeiramente mudada, por exemplo: àtù,
em kimbundo ; watu, em swahili ; wanthu, em nyasa ; bantu, em lega dentre outras
(cf.Asher & Simpson, 1993:302).
3. Inzila: aspectos linguísticos
Do ponto de vista linguístico, o termo inzila pode ser encontrado em algumas
línguas do grupo banto.
Em kimbundo, o termo njìlà possui a pré-nasalização, uma das características
das línguas bantas.
É importante ressaltar a ocorrência de tons nas línguas africanas de modo geral.
A língua kimbundo possui dois tons pontuais, expressos pelos diacríticos: alto /á/ e
baixo /à/. Os tons podem diferenciar significados. Por exemplo: njìlà ‘caminho’, dois
tons baixos /ì; à/ e njílà ‘pássaro’, a primeira vogal /í/ tom alto; a segunda vogal /à/ tom
baixo.
Além dessas características, as línguas bantas possuem um sistema de classes,
historicamente, considerado pelos bantuístas como o centro da sua estrutura. Wilhelm
Bleek (1862) foi o primeiro linguista a desenvolver um sistema de classificação nominal
para as essas línguas.
O sistema de classes nominais varia de uma língua para outra, mas nenhuma
delas excede a 23; a língua kimbundo possui 18.
No exemplo a seguir, no termo kimbundo, pode-se observar as marcas de
singular e plural através dos prefixos de classe:
Ligado a esse termo, há um outro, registrado por Cordeiro da Matta (1893):
Nos territórios tradicionais de candomblé da nação congo-angola, a aglutinação
do termo pambu ia-njila para Pambuanjila promove as seguintes variações: pambujila,
pambujira, pambojila, pambojira, pombajira, pombojira etc. Nas línguas africanas, de
modo geral, o /-le/ e o /-re/ são variantes livres e ocorrem conforme as circunstâncias da
expressão oral.
4. Inzila: aspectos antropológicos
Do ponto de vista antropológico, nos candomblés da nação congo-angola, Inzila
é um dos inquices que possui o poder da transformação; é o guardião e o protetor das
comunidades, por isso nada se faz sem a sua permissão, conseguida através das
oferendas. Ele é o mensageiro entre os seres humanos e os outros inquices. É o portador
do ngùzù e encarrega-se de distribuí-lo.
Inzila é também o Senhor dos caminhos, das bifurcações. É o princípio da
comunicação, o verbo, a palavra. O seu domínio é a natureza humana; ele rege o sexo
tanto masculino como feminino e é representado por um grande falo. Esse é um dos
motivos pelos quais, ainda na área dos povos bantos, na África, o associaram ao diabo.
Dependendo do fundamento de cada terreiro, Inzila pode ser cultuado de
diferentes maneiras. Pontua-se, aqui, duas delas: i) entidade/divindade; ii)
feminino/masculino. De modo geral, a figura feminina é cultuada com a denominação
de pombajira.
No grande caldeirão linguístico e cultural que se formou no interior dos
territórios tradicionais de candomblé da nação congo-angola, Inzila é conhecido por
nomes, cujos termos são de línguas bantas ou de outras línguas, tais como a fon e a
ioruba. Por exemplo: Exu, Pambujila, Pombojila, Bombonzila, Aluvaiá, Elebara, Bara
etc.
5. Conclusão
O estudo do termo inzila, nos candomblés da nação congo-angola, revelou a
presença da língua kimbundo no repertório linguístico desses candomblés.
A análise do termo se deu sob os dois pontos de vista: o linguístico e o
antropológico. No nível linguístico, pôde-se observar um pouco da estrutura das línguas
bantas, sobretudo, no que se refere aos prefixos de classe, aos tons e à nasalização. No
nível antropológico, foram abordados importantes aspectos culturais, vindos de longe
no tempo e no espaço.
Dessa forma, as informações em relação ao termo analisado apontaram, ainda
que resumidamente, a presença da língua kimbundo, a estrutura das línguas bantas e
também aspectos culturais, reconstruídos nos candomblés da nação congo-angola desde
os primeiros povos bantos trazidos ao Brasil.
6. Referências Bibliográficas
ASHER, R.E. & SIMPSON, J.M. Bantu Languages. In: The Encyclopedia of Language
and Linguistics. Vol. 1, Oxford, New York. Seoul. Tokyo, Pergamon Press:
1993:302-311.
BARROS, Elizabete U de. Traços do Kimbundo numa Casa de Candomblé Angola. São
Paulo, 2001. Dissertação (Mestrado em Linguística) FFLCH/USP.
BARROS, Elizabete U de. Traços de Quimbundo em uma comunidade religiosa. In:
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Universidade de Brasília, Thesaurus Editora, 2005.
BARROS, Elizabete U de. Línguas e Linguagens nos Candomblés de Nação Angola.
São Paulo, 2007. Tese (Doutorado em Linguística) FFLCH/USP.
CORDEIRO DA MATTA, J. D. Diccionario Kimbundu-Portuguez Lisboa, Typografia
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MONADEOSI, Iya. Línguas Africanas no Candomblé. In: (org.) PETTER, M.
Introdução à Linguística Africana, São Paulo: Editora Contexto, 2015.
PEDRO, José Domingos. Etude Grammaticale du Kimbundu (Angola). These de
Nouveau Regime pour l’obtention du Doctorat en Linguistique. Sorbonne,
Université René Descartes. U.F.R. de Linguistique Generale et Appliquée, 1993.
Iya Monadeosi
Elizabete Umbelino de Barros é Professora Doutora em Linguística pela Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2007).
Investiga as línguas africanas transplantadas para o Brasil, coletando textos orais e
escritos nas Comunidades Tradicionais de Matrizes Africanas.
Foi membro do GELA-Grupo de Estudos de Línguas Africanas do Departamento de
Linguística FFLCH/USP de 1998 a 2015. [+ informações do Iya Monadeosi]
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