Por: Alessandra Aquino
18/05/2024 | 16:56
Na intersecção entre espiritualidade e educação, os Terreiros de Candomblé tornam-se um espaço de enriquecimento e conhecimento, valores e práticas pedagógicas estão profundamente enraizadas na cultura afro-brasileira. Sob a influência do Axé, força vital que permeia todas as coisas, essas terras transcendem o âmbito da religião e se tornam verdadeiras escolas de vida, onde a sabedoria dos ancestrais é transmitida de geração em geração.
A educação nos terreiros de Candomblé não se limita ao ensino formal como nas instituições de ensino tradicionais, ela adota uma abordagem holística, integrando conhecimento acadêmico, prático e espiritual. Nesse contexto, o Axé é um catalisador que impulsiona o processo educacional, permeando todos os aspectos da jornada de aprendizagem.
Central nesta pedagogia é a relação entre o aprendiz e o Orixá. Cada Orixá representa características específicas e possui um conjunto único de ensinamentos e valores. Por meio de rituais, cantos, danças e tradições, os praticantes ficam imersos em lições que vão desde a importância da comunidade, respeito aos mais velhos, cuidado com a mente (Ori) e o corpo até a valorização da natureza e a compreensão dos ancestrais. Muitos são os saberes passados e aprendidos dentro do terreiro.
Aprendemos com Exu, a importância da boa comunicação, da clareza das palavras e dos atos. Com Ogum aprendemos que um bom guerreiro evita guerras desnecessárias e que o progresso só é possível através do trabalho. Oxóssi nos ensina que existe a hora certa para ir à caça e que a mesma deve ser sempre silenciosa, para que não desperdicemos nossas flechas. Com Ossanhe aprendemos, que como folhas soltas que somos nessa vida terrestre, é importante nos mantermos em galhos fortes e raízes saudáveis. Nanã nos ensina que a sabedoria vem com o tempo, com a maturidade, daí a importância de ouvirmos os conselhos de nossos mais velhos. Omolu nos ensina que a cura muitas vezes precisa vir de dentro, da alma, e que humildade é o que nos torna verdadeiramente belos. Com Oxumarê podemos aprender que somos seres mutáveis, nos transformamos todos os dias, e podemos usar essa transformação para nos tornarmos melhores, dia após dia, para nós e para os outros. Oxum nos ensina que somos rios correndo para o mar, e por esse motivo não devemos nos ater aos obstáculos do caminho, devemos apenas seguir nosso curso com estratégia para alcançarmos os objetivos. Com Logunedé aprendemos que nem tudo que reluz é ouro, é importante estar atento aos detalhes e conseguir enxergar além das aparências. Aprendemos com Oyá que quando a guerra é inevitável, devemos dispor de nossas melhores armas e ter coragem para enfrentar as batalhas que vierem. Com Obá aprendemos que de todos os amores, o próprio será sempre o mais valioso. Ewá nos ensina que muitas vezes teremos que desbravar o desconhecido, e nesse processo é preciso abraçar os mistérios da vida com resignação. Com Xangô aprendemos o senso de justiça, e a importância de sermos firmes em nossas atitudes e ideais. Oxalá nos ensina que a paz interior sempre vencerá as guerras externas. Esses e tantos outros são ensinamentos valiosos, mas a pedagogia de terreiro não se limita a saberes intrínsecos.
Entre os terreiros de Candomblé, a língua falada também desempenha um papel importante na transmissão do conhecimento. Histórias, mitos e canções são os veículos através dos quais as tradições são preservadas e os ensinamentos transmitidos. Cada história contém ricas conotações culturais e morais, ensinando moralidade, respeito e unidade às pessoas.
Além disso, os terreiros de Candomblé servem como espaço de resistência e empoderamento para comunidades afrodescendentes. Num mundo onde o patrimônio cultural africano é frequentemente marginalizado ou distorcido, estas terras oferecem um refúgio seguro que celebra a identidade e a dignidade. Através da apreciação da história e da cultura negras, os adeptos das religiões de matrizes africanas têm o poder de se reconectarem com as suas raízes e afirmarem a sua presença numa sociedade repleta de desigualdade e preconceito.
A pedagogia dos terreiros de Candomblé também promove a integração entre o indivíduo e o meio ambiente. Os rituais muitas vezes envolvem o contato direto com a natureza, enfatizando a importância da harmonia e do equilíbrio ecológico. Os praticantes aprendem a respeitar os elementos naturais e a reconhecer a interdependência entre todas as formas de vida.
No entanto, apesar de sua riqueza e relevância, a pedagogia dos terreiros de Candomblé enfrenta desafios importantes. A intolerância e a discriminação religiosa impedem muitas vezes a plenitude da consciência e as considerações destas práticas educativas.
A sociedade deve reconhecer e respeitar a diversidade das tradições espirituais para garantir que os terreiros de Candomblé possam continuar a desempenhar um papel importante na promoção da educação, da cultura e da justiça social. Simplificando, a educação nos terreiros oferece uma perspectiva única e rica sobre o processo de aprendizagem. Nos terreiros de Candomblé, a espiritualidade e a educação estão intimamente ligadas, criando um ambiente propício ao crescimento pessoal, à valorização cultural e à construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Que todos os dias possamos celebrar e propagar a riqueza das nossas tradições, vivenciando cada aprendizado contido na pedagogia de nossos terreiros.
Alessandra Aquino
Educadora, Editora formada pela Casa Educação de São Paulo, Produtora e Gestora Editorial pelo NESPE; CEO da Editora Folha de Ouro; Fundadora do Instituto de Literatura e Arte Ancestral Folha de Ouro (ILAFO).... [+ informações de Alessandra Aquino]
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