Por: Mãe Kátia

✅ 14/02/2025 | 05:46
Ontem, conversava com uma sacerdotisa que enfrenta sérias dificuldades financeiras para manter as portas de sua Casa de Axé abertas. Como tantos outros dirigentes espirituais, ela se dedica ao acolhimento e à orientação, oferecendo sua energia, tempo e conhecimento para auxiliar aqueles que a procuram. No entanto, sem o apoio dos filhos de axé e da assistência, que usufruem de toda a estrutura sem contribuir minimamente para sua manutenção, a continuidade do terreiro se torna um grande desafio.
Ainda presa à ideia de que a contribuição deve ser incondicional, ela encontra dificuldades em estabelecer um equilíbrio saudável entre servir ao sagrado e garantir que a Casa permaneça de pé. Essa realidade não é um caso isolado. Muitos terreiros enfrentam desafios semelhantes, e a questão da contribuição financeira se torna um tema sensível, muitas vezes mal compreendido. É preciso trazer essa reflexão de forma clara: uma Casa de Axé não se sustenta sozinha. Manter um terreiro aberto exige recursos, compromisso e envolvimento de todos que se beneficiam desse espaço.
A questão da mensalidade nos terreiros desperta debates e opiniões diversas. Enquanto algumas contribuições são essenciais para a manutenção do espaço e a continuidade das atividades, outros acreditam que a cobrança desvirtua o princípio da caridade presente na Umbanda e em outras religiões de matriz africana. No entanto, como sacerdotisa e dirigente de um templo que acolhe e atende cerca de mil pessoas por mês, compreendo a complexidade desse tema. Manter um terreiro de portas abertas não se resume apenas ao exercício da fé – exige organização, estrutura e compromisso com diversas responsabilidades financeiras.
Os custos para manter um espaço sagrado funcionando são expressivos: aluguel, contas de água e luz, materiais de limpeza e higiene, água potável, material litúrgico (velas, ervas, bebidas, azeite de dendê, mel, entre outros), além dos gastos com estrutura gráfica, obras sociais e outras necessidades que garantem o bom funcionamento da Casa de Axé.
É importante compreender que a mensalidade não sustenta o terreiro por si só, mas contribui para parte dos custos que garantem a manutenção desse espaço de acolhimento e desenvolvimento espiritual. Além disso, outros setores desempenham um papel fundamental nessa sustentação, como a realização de eventos, venda de alimentos, loja de artigos religiosos e rifas. Essas iniciativas complementam os recursos financeiros e fortalecem a estrutura do terreiro, permitindo que ele continue funcionando e acolhendo a comunidade.
A participação da assistência nesses setores é essencial, pois demonstra comprometimento e reforça o senso de pertencimento à Casa de Axé. A continuidade das atividades, dos rituais e dos atendimentos gratuitos à comunidade só é possível porque existe uma estrutura organizada e pessoas comprometidas em mantê-la viva. Mais do que uma questão financeira, essa contribuição deve ser vista como um ato de pertencimento e consciência coletiva. O terreiro não é um serviço prestado – é um espaço de fortalecimento da fé, de aprendizado e de crescimento espiritual. Assim como cada membro se beneficia das energias, dos ensinamentos e da proteção dos guias e Orixás, também é justo que compreenda sua responsabilidade na preservação desse sagrado.
Infelizmente, há aqueles que se opõem à mensalidade, adotando um comportamento oportunista e abusivo, utilizando-se do conceito de caridade para usufruir de tudo sem contribuir minimamente – mesmo com uma cesta básica. Além disso, existem aqueles que acreditam, erroneamente, que a mensalidade vai para o bolso de alguém. Ledo engano. Um sacerdote dorme e pensa em como manter financeiramente um templo aberto para acolher tantas almas. Sua responsabilidade vai muito além do espaço físico – ele precisa se preparar, estudar, trabalhar, cuidar da própria energia e se fortalecer para estar bem e ter axé suficiente para receber e orientar cada pessoa que busca auxílio.
Uma vez, ouvi de um grande sacerdote uma frase que me marcou profundamente:
"Se um filho que está na sua Casa de Axé, usufruindo de tudo, recebendo bençãos, acolhimento e atendimento, não tem a capacidade – ou pior, não tem a disposição – de pagar uma simples mensalidade, ele não merece estar ali."
Essa afirmação pode parecer dura para alguns, mas carrega uma verdade incontestável. O compromisso com o terreiro não se expressa apenas na fé e na presença física, mas também na responsabilidade de ajudar a mantê-lo de pé. Quem entende a grandiosidade do que recebe, naturalmente sente o desejo de retribuir. Muitas vezes, aqueles que mais criticam a contribuição financeira são justamente os que mais usufruem da estrutura do terreiro, mas que, na hora de colaborar, se esquivam. Esse tipo de atitude revela uma relação desequilibrada.
No entanto, vale lembrar que existem aqueles que realmente não podem contribuir financeiramente, seja por enfrentarem dificuldades econômicas severas, estarem desempregados ou atravessarem momentos de instabilidade. Contudo, essas pessoas geralmente encontram outras formas de agregar e somar à Casa de Axé. Seja por meio de trabalho voluntário, organização do espaço, auxílio em rituais ou outras formas de dedicação, esses membros demonstram seu comprometimento com o terreiro de maneiras que vão além do dinheiro. A verdadeira contribuição está no sentimento de pertencimento e na vontade genuína de manter viva a chama desse espaço sagrado.
🔹 Conclusão
A mensalidade é uma contribuição essencial para que o terreiro possa continuar cumprindo sua missão de acolher, ensinar e fortalecer espiritualmente todos aqueles que o procuram. Mais do que um valor monetário, ela simboliza o compromisso coletivo com a continuidade e preservação da Casa de Axé, à qual cada membro pertence. Essa contribuição garante que esse espaço sagrado permaneça acessível para aqueles que necessitam de amparo e orientação, começando pelos próprios filhos e integrantes da casa, que se beneficiam diretamente de sua existência e estrutura...
Nem todos vão compreender a profundidade dessa reflexão, mas aqueles que têm consciência – e os sacerdotes que vivem essa realidade diariamente – sabem o quanto essa luta é real. Manter uma Casa de Axé de portas abertas exige esforço, dedicação e muito amor.
E é essa entrega que mantém vivo o terreiro, pronto para acolher, orientar e iluminar caminhos. Afinal, um terreiro não é apenas um espaço físico; é um refúgio espiritual que precisa de compromisso, respeito e união para continuar cumprindo sua missão.
Axé

Mãe Kátia
Mãe Kátia é sacerdotisa dirigente do Templo Luz do Amor Divino, Ìyálórìṣà coroada na Umbanda e iniciada nos cultos afro-brasileiro e tradicional Yorubá. Além de ser a fundadora do Projeto Social Mensageiros do Amor, que já atendeu mais de 300 famílias proporcionando a melhoria da qualidade de vida em suas comunidades e levando dignidade, respeito e humanidade, a Ìyálórìṣá tem um grande histórico acadêmico: possui formação em psicanálise com ênfase na ciência da religião e nas relações do homem com o universo consciente e inconsciente e graduação em metafísica da saúde, cromosofia, cromologia e em cromoterapia. [+ informações de Mãe Kátia]
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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews. |
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