Por: Adriano Cabral
✅ 23/11/2024 | 17:26
A filosofia existencialista, especialmente conforme articulada por Jean-Paul Sartre, oferece uma visão única e provocativa sobre a condição humana, a liberdade e a busca de sentido em um mundo frequentemente desprovido de respostas absolutos. Neste artigo, exploraremos a relação entre a religiosidade, suas deidades e o homem sob a ótica do existencialismo sartriano, questionando a busca por um significado predefinido na experiência religiosamente orientada.
Um dos pilares do existencialismo de Sartre é a ideia de que "a existência precede a essência". Para Sartre, não nascemos com um propósito ou uma essência pré determinada. Em vez disso, somos lançados no mundo e somos responsáveis por criar nosso próprio significado e identidade. Essa visão apresenta um desafio significativo à noção tradicional de religiosidade, frequentemente ancorada em dogmas e crenças sobre deidades.
Na religião, especialmente nas tradições monoteístas, um Deus ou deidade é apresentado como a fonte de significado e moralidade. No entanto, ao afirmar que a existência vem antes da essência, Sartre coloca em questão essa hierarquia de significado. A figura divina, em muitos casos, é vista como uma resposta às perguntas fundamentais da vida; no entanto, Sartre argumenta que a liberdade humana é uma prioridade, e essa liberdade implica também a responsabilidade de criar nossas próprias respostas.
A liberdade, um conceito central na filosofia de Sartre, é uma faca de dois gumes. Por um lado, a capacidade de escolher nos liberta de estruturas externas e normativas; por outro lado, essa liberdade nos impõe uma responsabilidade imensa. Se não há um Deus que define nosso propósito, somos nós quem devemos determinar nosso caminho.
Essa percepção pode ser particularmente desconfortável para muitos, pois implica a ausência de garantias, tanto em termos de moralidade quanto de significado. Nas tradições religiosas, a crença em uma deidade oferece um senso de segurança e um sentido de sigo que guia a vida dos fiéis. Entretanto, a perspectiva sartriana sugere que essa dependência de uma autoridade externa pode ser uma forma de autolimitação, impedindo a plenitude da liberdade que somos capazes de alcançar.
Porém, na cosmologia Iorubá, Ori significa "cabeça," e seu significado transcende a mera referência anatômica. Ori é visto como o centro da consciência, da individualidade e da espiritualidade de uma pessoa. É considerado o aspecto divino que cada ser humano carrega dentro de si, representando o destino e a conexão com o sagrado. Assim, Ori é entendido como a essência que guia a vida de uma pessoa, suas escolhas e seu propósito sua razão em contexto absoluto.
O conceito de Ori é central na religiosidade iorubá e se estende a todas as tradições de matriz africana. Ele representa não apenas a individualidade, mas também a conexão com o divino, com a ancestralidade e com a comunidade. Compreender Ori é entender uma parte fundamental da espiritualidade africana, que valoriza a individualidade enquanto promove um entendimento coletivo de pertencimento e identidade. Assim, o Ori não é apenas uma questão de fé, mas um guia vital na vida de cada ser humano, indicando caminhos e iluminando a jornada espiritual. Trazendo para o “Eu” a responsabilidade de todas as suas ações e desmistificando a relação do homem x natureza (Deus) que se pregam em outras nominações religiosas.
Um outro conceito importante nas obras de Sartre é a ideia do "Outro" – a consciência de que a nossa existência não se dá apenas em relação a nós mesmos, mas também aos outros. A maneira como nos relacionamos com outras pessoas, incluindo questões de fé e crença, revela a complexidade da experiência humana.
Nas religiões, o cumprimento de normas e rituais muitas vezes se dá em uma comunidade de crentes. A pertença a essa comunidade pode oferecer apoio e um sentimento de pertencimento. No entanto, Sartre nos desafia a considerar se essa conformidade é um reconhecimento autêntico de nossa liberdade ou uma forma de alienação.
A relação entre os seres humanos e suas deidades pode ser vista como um reflexo da luta para reconciliar a busca por aceitação e a necessidade de afirmação da própria individualidade. A pergunta se estamos nos submetendo ao Outro, mesmo quando esse Outro é divino, se torna pertinente. Será que essa submissão nos liberta ou nos aprisiona?
Sartre nos propõe que, ao invés de buscar um sentido fora de nós, devemos reconhecer a carga e a oportunidade que temos em criar nosso próprio significado. A relação entre o homem e a religião, e suas deidades, pode ser reinterpretada à luz do existencialismo: em vez de ser um mero receptor de verdades absolutas, o homem é um criador, um artista de sua própria vida.
Em última análise, a visão existencialista nos convida a abraçar a incerteza, a liberdade e a responsabilidade assim como as religiões de Matriz africana. A “religião” (como culto dogmático e antropocêntrico), ao invés de ser uma fonte de respostas definitivas, pode ser vista como mais uma arena na qual os seres humanos buscam, lutam e, talvez, encontrem algum sentido para suas vidas em meio ao caos da existência. A verdadeira questão que cada um de nós deve enfrentar é: como viver de maneira autêntica e responsável em um mundo sem verdades absolutas, onde somos os únicos arquitetos de nosso significado?
Por este motivo, o culto primordial das religiões afro se dá ao Ori (cabeça) e a partir da ressignificação de que o homem é responsável, em absoluto, por sua vida, escolhas e caminhos... a religião o referencia a uma relação intima com os Orixás. Tal relação se faz ao meio enquanto comunidade religiosa e a natureza em si. Ori é um elemento fundamental para que os indivíduos compreendam sua verdadeira identidade e propósito na vida. O autoconhecimento promovido pelo reconhecimento do Ori é essencial para que a pessoa viva em harmonia consigo mesmo e com o meio em que se estabelece.
Adriano Cabral
Dr. h. c. Luiz Adriano Santos Cabral (Adriano Cabral) é filósofo formado pela UCP Petrópolis; MBA em Administração Pública; Pós graduado em docência de Filosofia e Teologia; Primeiro secretário da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa da OAB 22° Subseção Magé/ Guapimirim... [+ informações de Adriano Cabral]
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|| Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.
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