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As religiões de terreiro têm doutor (a)?

Por: Ademir Barbosa Junior

Foto: Reprodução

13/09/2024 | 08:04


Para minha Iya Senzaruban (Ile Iya Tunde) e meu Pai Joãozinho Galerani (Terreiro da Vó Benedita)


Num país cartorial como o Brasil, o título de “Doutor (a)” é hipervalorizado de tal forma que até quem não o tem (acadêmico ou honoris Causa) é assim denominado, seja médico, advogado, cliente de restaurante ou funilaria. Esse aspecto cartorial tem invadido as religiões de terreiro de modo a categorizar (e discriminar) Pais, Mães e filhos (as) entre os que são ou não Doutores (as).



Recentemente uma querida Mãe postou mais ou menos o seguinte a respeito de sua Iya: “A Mãe de vocês também é Doutora? Pois a minha vai receber o título de honoris Causa…”. Em vez de ressaltar os méritos da homenagem, a postagem (e não a cito aqui textualmente) caminhava no sentido do exclusivismo (Minha Mãe é Doutora/Sua Mãe não é). Não pude deixar de sorrir a esse suposto exclusivismo ao pensar que minha Iya no Candomblé é Doutora em Matemática (USP), além de ter outros títulos internacionais na área de Medicina dos tempos em que residiu em países asiáticos ou os visitou. Eu mesmo tenho dois Doutorados honoris causa (um pelo MCNG-IEG e outro pela FEBACLA), estou no 5o. semestre do Doutorado em Comunicação (UNIP) e há pouco tempo meu Pai na Umbanda também recebeu o título de Doutor honoris Causa.


O exclusivismo, além de obscurecer os méritos da homenagem e/ou do trabalho acadêmico, atribui qualidades “espirituais” inexistentes. Diversos Pais/Mães e Babalaôs oraculistas têm adotado o hábito de acrescentar “Dr. h. C.” antes ou depois de sua designação religiosa (Babalaô Dr. h. C. X/Dra. h. C. Iya Y), como se o título fizesse diferença com relação ao oráculo em si (se é determinante para quem vai se consultar, certamente é um desvio de foco e de objetivo). Situação semelhante se encontra quando num coletivo reunido, algum médium se apresenta da seguinte forma: “Vou fazer um resumo do meu currículo espiritual…”. Pouco a pouco se estabelece uma linkedinização da vivência espiritual: em vez de todas as vivências e experiências se somarem, acabam por pontuar e categorizar o indivíduo diante de um imaginário departamento de RH do Axé!


Títulos, profissões, experiências artísticas e outros fazem parte da história de cada indivíduo e devem ser reconhecidos e apresentados nas comunidades-terreiro e nos coletivos, celebrações, cerimônias desde que necessário, não como penduricalhos ou como índices de exclusão. Contudo, na comunidade-terreiro, na vivência cotidiana, diante dos Orixás, de toda a Espiritualidade e da própria comunidade, a titulação é desnecessária e, literalmente, não conta (“tempo de Santo”, como traço de caráter etc.). Como índice de memória afetiva e cultural, basta lembrar que muitos de nós tivemos/temos Pais e Mães sem educação formal (por vezes analfabetos/as), os quais não deixaram de conduzir suas comunidades-terreiro com Axé, amor, ética e dedicação.


As religiões de terreiro têm Doutor (a)? Claro: Seu Zé Pelintra (Advogado dos Pobres, Juremeiro Curador etc.), Dr. Bezerra, Dr. Satyananda, Dr. Fritz, Dra. Maria Lúcia (a veterinária e a outra), Dr. M. e tantos (as) outros (as). É possível reconhecer seu Doutorado não pelo título em si, mas pelo que são e fazem, com amor, sabedoria e humildade.



Ademir Barbosa Junior - AxéNews

Ademir Barbosa Junior

Ademir Barbosa Júnior (Pai Dermes de Xangô) é dirigente da Tenda de Umbanda Caboclo Jiboia e Zé Pelintra das Almas (Piracicaba – SP), fundada em 23/4/2015. É Doutorando em Comunicação pela UNIP (Bolsa PROSUP/CAPES) e Mestre em Literatura Brasileira pela USP, onde se graduou em Letras. Pós-graduado em Ciências da Religião pelo Instituto Prominas, é professor e terapeuta holístico. [+ informações de Ademir Barbosa Junior]


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|| Este é um artigo de opinião em que o(a) autor(a) apresenta e defende seu ponto de vista acerca de um tema de relevância para as nossas comunidades tradicionais de terreiros.

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