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Benzedeiras e Rezadeiras

Por: Mãe Lelê

30/05/2023 | 06:28


Em maio de 2021, ainda com o terreiro fechado devido à pandemia de Covid-19, fiz uma live pelo IG @casa_da_jurema, cujo tema foi benzedeiras e rezadeiras. Creio ser oportuno e pertinente que o conteúdo apresentado naquela live seja trazido aqui em forma de artigo, neste mesmo mês de maio (mesmo depois de dois anos) em que comemoramos o Dia das Mães e o dia dos pretos velhos.


Faço alusão tanto ao dia dos(as) pretos(as) velhos(as) na Umbanda ( 13 de maio) quanto ao do Da das Mães (comemorado no segundo domingo de maio) pelos seguintes motivos: sabemos que os (as) pretos(as) velhos (as) são exímios (as) benzedeiros(as) e que estas entidades quando chegam nos terreiros de Umbanda valem-se dos galinhos de arruda, de guiné ou de outras ervas, ou ainda de determinados objetos, para rezarem os males espirituais e físicos daqueles que se ajoelham aos seus pés; quanto às mães, atribui-se a elas, principalmente na cultura iorubá, poderes espirituais ou divinos; e, sendo assim, podemos inferir a partir disso o expressivo números de mulheres na nossa sociedade que têm o dom do benzimento.


A canção intitulada “benzedeiras guardiãs” (1992) de Martinho da Vila e Rosinha de Valença, transcrita abaixo, nos diz muito bem acerca deste ofício ancestral praticado por inúmeras mulheres ao longo do tempo.


As rezadeiras usam

Águas da chuva e do rio

Curam as dores do corpo

Cisco no olho, espinhela caída


As benzedeiras vão

Com fé na oração

Curando nossas feridas

Como obaluaê


As rezadeiras quebram

Quebranto, mal olhado

Males que vem dos ares

Nervos torcidos, ventres virados


As benzedeiras são

As estrelas das manhãs

As nossas anciãs

Nanás buruguêis


Afastam a inveja

E o mal olhado

Com suas forças

Com suas crenças

Com suas mentes sãs


As rezadeiras são

As nossas guardiãs

Por dias, noites, manhãs

Nanás


Esta canção é uma oração

Para as benzedeiras

Do coração mando este som

Para as rezadeiras


As rezadeiras são

As nossas guardiãs

Por dias, noites, manhãs

Nanás


Em sentido amplo, o ato de benzer é entendido como um pedido de interseção às forças divinas para a proteção de alguém /algo, ou em prol da resolução de alguma demanda para o equilíbrio espiritual. Ou seja, trazer a quem o procura um conforto que muitas vezes não foi encontrado em outros ambientes ou com outros métodos. Mais especificamente, a benzeção visa principalmente à cura das inúmeras moléstias do corpo e da alma. A maneira de benzer, bem como os objetos utilizados, é singular de cada benzedeira (ou benzedeiro), pois cada uma (ou cada um) tem seu ritmo próprio ao utilizar a sua fé na realização deste fazer.


Cabe aqui destacar a distinção e oposição entre “bento” e “benzido” bem como de “benção” e “benzeção” feitas por Moura (2009, p.28-29):


(...)Do latim “bene-dicere”, temos o “bem-dizer” de onde deriva o popular “bendição”, “benzeção”, “benzimento e “benzedura”.


Apesar de o termo benzeção se originar da palavra bênção, no senso comum criou-se uma clara distinção e oposição entre “bento” e “benzido”, “bênção” e “benzeção”. No meio popular, emprega-se o termo benzido para se referir à ação de membros leigos, os ditos benzedeiros ou benzedeiras. São profissionais independentes, sem ligação com uma instituição específica, que atuam em comunidades onde seus serviços são necessários. Podem transitar tanto no meio urbano, quanto no rural e seus portadores são vistos como intermediários entre as forças sobrenaturais e os homens. Neste sentido, o verbo benzer implica ação de dar a bênção, abençoar, seja com uma imagem, com um gesto ou orações. Já o termo “bento” aproxima-se da ação de clérigos ou sacerdotes, em outros termos, de pessoas relacionadas à ação institucional da Igreja. Esses usos diferenciados sugerem, desde já, uma separação entre os agentes leigos da benzeção e os sacerdotes da Igreja Católica. Já o termo “bento” aproxima-se da ação de clérigos ou sacerdotes, em outros termos, de pessoas relacionadas à ação institucional da Igreja.


Fica evidente, na transcrição acima, a atribuição de menos valia, de desmerecimento, de preconceito em relação aos benzimentos feitos pelos “ditos” (como foi colocado) benzedeiros ou benzedeiras. Coloca-se em primeiro plano, como uma verdade absoluta, os saberes e ensinamentos da igreja católica, em que somente os padres têm autoridade para benzer, visto serem eles, de acordo com essa visão, os únicos preparados para realizar tal ação. Dessa forma, desconsidera-se o saber de outras culturas que, pela oralidade, transmitiram o legado de práticas milenares para a proteção e cura espiritual, emocional e física dos seres. Também por isso, durante muito tempo, imputou-se às mulheres benzedeiras o estigma de serem elas feiticeiras, ou de praticarem curandeirismo. Além disso, as mães (e pais) de santo de Umbanda que também benzem as pessoas, não são vistas(os) pela sociedade como sacerdotisas(es) que são. Infelizmente, pensamentos como esses ainda permanecem presentes atualmente, devido ao racismo estrutural e religioso incrustrado em nossa sociedade.


A fim de corroborar com as reflexões acima, deixo aqui, como ilustração, a transcrição do texto inicial da sinopse do enredo “Eu Que Te Benzo, Deus Que Te Cura” do GRES Renascer de Jacarepaguá para o carnaval do Rio de Janeiro, no ano de 2020, escrito e desenvolvido por Ney Junior e Claudio Rocha. O título deste enredo também é o mesmo de um documentário sobre benzedeiras, produzido por Fernanda Pessoa de Carvalho em 2015.


Leia-se como prece de uma senhora rezadeira:

‘‘Em nome do Pai e da Virgem Maria”,

Te rezo e te benzo com o sentimento mais puro.

Rogo a graça da bondade,

Peço compreensão, isso não é bruxaria não.

Velha parteira como muitos diziam,

Não me queime viva, pois nada de mim você sabia.

Pajé libertador, Preto Velho, sábio senhor,

Espírito puro, carregado de amor.

É preciso acreditar nas orações. É preciso ter fé!

Senão a oração não tem valia não.

Meu conhecimento vem da mistura das crenças, das tradições e religiosidade.

Minha herança é europeia, indígena e africana de verdade.

Senhora rezadeira de muita brasilidade.

Trago rezas e benzeções para aliviar seus desconfortos físicos e do coração.

Quebro e desligo de toda e qualquer maldição, feitiço e sedução.

Sinta o cheiro das ervas, de incenso e de defumador.

Sou também raizeira, sim senhor.

Tenho nas mãos objetos simbólicos como arruda, terço, ramos de folhas, crucifixos e vela.

Tenho na fala, no gesto, e nos olhos fechados, o dom de curar o irmão.

De amenizar as mazelas!

A Deus rogo que te cure de espinhela caída, mau olhado e ventre virado.

Corto cobreiro bravo. Corto cabeça e corto o rabo.

Te rezo no meu humilde altar.

Que Cristo te olhe e te proteja em teu caminhar.

Vai Renascer das graças, na fé de Maria, na palavra que corta inveja,

Maldade e feitiçaria.

Em minha passagem como a Pomba da paz nessa terra,

Que encaixe a alegria desse instante.

Glória a Deus! O mal se desfez e a luz Renasceu!

No mundo pintado, sonhado,

Dedicado, feito de Fantasia e Fé,

Na Avenida, que Deus te deu.

‘EU QUE TE BENZO, DEUS QUE TE CURA.


No entanto, mesmo sabendo que essas “benzedeiras guardiãs”, como nos diz a canção, têm se tornado figuras cada vez mais raras em nossa sociedade, principalmente nos espaços urbanos, nós, umbandistas que somos, precisamos dar continuidade a esta prática - quer tenha sido pelo aprendizado transmitido oralmente por uma benzedeira (ou benzedor) da nossa família consanguínea (ou de terreiro), quer pelos ensinamentos dos pretos e pretas velhas - por saber de sua importância para a nossa comunidade.

Ao falar do tema aqui exposto, é impossível não trazer da minha memória afetiva, isto é, não rememorar o que foi por mim vivido e experienciado no meu dia a dia no terreiro de Umbanda de minha mãe. A minha mãe carnal (e minha mãe de santo), D. Lais, hoje com 96 anos, é uma benzedeira. Ela sempre benzeu os filhos, os parentes, os netos (e recentemente a bisneta), as pessoas do entorno de nossa casa, as crianças da vizinhança...


Lembro-me que, quando eu era criança, minha mãe realizava os benzimentos no quarto de santo (assim como nós, os sete filhos dela, chamávamos tal local), um dos cômodos da nossa casa, onde havia uma mesa com imagens de santos. Nessa mesa, forrada com uma toalha branca cuja ponta era em forma de triângulo indo quase próximo ao chão, tinha um copo com água com um punhal em cima, um crucifixo e as imagens dos santos. Lembro-me bem das imagens de S. Jorge, S. Sebastião, S. Antônio, S. Benedito e S. Cosme e S. Damião. Quando estava naquele quarto, gostava de ficar olhando para S. Antônio e para S. Benedito, pois sentia uma ternura imensa ao ver as imagens dos dois santos com uma criança no colo. Penso, hoje, que me projetava naquela criança ali amparada e carinhosamente cuidada pelos respectivos santos. De São Cosme e São Damião ficou gravado na minha memória o pratinho de doces e balas que ficava aos pés desses santos. Toda vez que sentia vontade de chupar uma balinha, sempre pedia a eles se podia pegar uma, conforme minha mãe me ensinara pedir. E os santinhos, claro, prontamente deixavam eu pegar. Embaixo da mesa, havia uma caixa com areia, algumas conchinhas pequenas e caramujos do mar. Eu gostava de colocar os caramujos no ouvido para ouvir, a partir deles, o som do mar.


A casa em que morávamos era de pau a pique com acabamento alisado, isto é, uma construção, de acordo com as informações do Wikipédia, feita com entrelaçamento de madeiras verticais fixadas no solo, com vigas horizontais, geralmente de bambu, amarradas entre si por cipós, dando origem a um grande painel perfurado que, após ter os vãos preenchidos com barro, transforma-se em parede. Devido a uma forte chuva ocorrida por volta de meados dos anos 70, a parede do referido quarto de santo caiu. Interessante foi o fato de os santos que ali estavam não terem sido quebrados. Lembro-me de arrumarmos as coisas nesta mesma noite e, no meio do temporal que caía, atravessarmos o quintal em direção à casa da minha avó para ficarmos lá, em segurança.


Depois daquele terrível dia, nunca mais retornamos para nossa casa. Entretanto, na sala da casa- cômodo que não houve dano devido ao temporal- a minha mãe colocou a mesa dos santos e prosseguiu com as suas benzeduras e com as consultas com a preta-velha. Iniciava-se assim, ali naquele espaço onde nasci, o terreiro de Umbanda fundado por ela. Alguns anos depois, derrubou-se o que sobrou desta casa e uma nova construção foi feita para sediar o Centro Espírita São Jorge de Ronda.


Tanto no quartinho de santo quanto, depois, no espaço do terreiro, minha mãe benzia quebranto /mau olhado, o ventre virado das crianças, as perturbações espirituais, erisipela, espinhela caída e outras enfermidades que a ela eram trazidas. Quando caía um cisco no meu olho, corria até ela para que o benzesse. Com a mão direita fechada, só como o polegar aparecendo, ela ia fazendo o sinal da cruz no meu olho, ao mesmo tempo em que, de forma cadenciada ao gesto da mão, recitava: “Santa Luzia passou por aqui com o seu cavalinho comendo capim”. Acho que ela recitava isso umas três ou cinco vezes. Assim que acabava a reza, mandava eu passar cuspe no olho. Só sei que o cisco saía do meu olho e eu voltava a brincar.


Como todas as benzedeiras e benzedeiros, minha mãe não cobrava para fazer os benzimento. É interessante destacar que muitas pessoas que iam até ela para serem benzidas, ou levavam as crianças para rezarem, faziam isso quase sempre às escondidas dos outros da vizinhança; e quando a viam na rua sequer a cumprimentavam. Qual o motivo para isto? Resposta curta, porém, dolorosa: o preconceito, já mencionado aqui anteriormente.


Para realizar as benzeduras, minha mãe utilizava um galho de arruda junto com um antigo crucifixo de bronze (o mesmo utilizado pela preta-velha vovó Catarina da Bahia que ela incorpora) que segurava na mão direita. Na falta da arruda, solicitava que eu pegasse no quintal um galhinho de vassourinha ou um galho de guiné pipiu. Acendia no Congá uma vela branca e colocava ao lado um copo transparente contendo água filtrada. É importante destacar que as ervas estavam ali mesmo, plantadas no nosso quintal, para serem usadas por nós, para fazermos chás, usar como remédio, colocar em ferimentos, para tomarmos banho ou outras funções ritualísticas.


Pro mau olhado, só um galho de arruda

Peço ajuda à folha de manjericão

Oh minha santa benzedeira me acuda

“Ocê” me cuida e me dá proteção


Aroeira, senhor, aroeira

Sentada à mesa, mãe da brandura

Aroeira, senhor, aroeira

É vela acesa, copo d’água e reza pura

(Versos do samba-enredo da Renascer de Jacarepaguá 2020 dos compositores Cláudio Russo, Moacyr Luz e Diego Nicolau)


Antes de benzer cada uma das pessoas que lhe procurava, minha mãe fazia a escuta dos queixumes trazidos por elas. Em silêncio, rezava para o “anjo da guarda” dela e para as entidades com quem ela trabalhava para que a deixassem protegida. Depois, colocava a pessoa sentada em um banquinho de frente para o Congá, perguntava o nome completo da pessoa e iniciava o benzimento. No começo do benzimento, a oração proferida por ela era ouvida claramente, mas ia ficando inaudível com o prosseguimento.


Com as três pessoas da santíssima Trindade

Que tira quebranto e mau olhado

Pras ondas do mar,

Para nunca mais voltar

(*Trecho apenas ilustrativo de uma oração para quebranto, já que as que ouvi de minha mãe estão guardadas em minha memória para serem usadas no momento mesmo da benzedura)


Durante o ato, se a pessoa estivesse “carregada”, ou seja, se apresentasse alguma influência negativa, isso se revelava em minha mãe pelo abrir incessante da boca em forma de bocejos e os rápidos estremecimentos que abalavam o seu corpo. Mais para o final da benzeção era possível ouvir:


Salve Rainha, Mãe de Misericórdia. Vida, doçura e esperança nossa, Salve! A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste Vale de Lágrimas. Eia, pois, advogada nossa. Esses Vossos olhos misericordiosos a nós volvei! E depois desse Desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do Vosso Ventre. Ó Clemente, ó piedosa, ó Doce Sempre Virgem Maria. Rogai por nós Santa Mãe de Deus, para que “sejamos livres de todos os males”. Amém.


Terminada a benzeção, de frente para o Congá, minha mãe se benzia, agradecia por ter feito o benzimento, jogava fora a água que colocara junto a vela acesa, ou pedia a pessoa benzida que o fizesse, passando aquele copo com água por cima da cabeça, jogando a água de costas para a rua. Quanto ao galho de arruda utilizado, ou ela esfregava--o entre as mãos para que se desfizesse, ou pedia a pessoa que o pisasse com o pé esquerdo, ou, ainda, raramente, cuspisse nele três vezes antes de jogá-lo em uma planta no quintal. O benzimento de crianças, de colo ou não, era feito seguindo quase sempre esse mesmo procedimento descrito.


Em caso específico de espinhela caída, por exemplo, em que havia uma reclamação da pessoa por estar sentindo muitas dores no peito e nas costas, fraqueza nas pernas, cansaço excessivo (por ter abusado ou não em pegar peso), ela usava primeiro um barbante para medir o antebraço da pessoa. Em seguida, verificava se aquela medida correspondia ao tamanho exato de um ombro a outro medido pelas costas. Caso não houvesse correspondência, constatava-se que, de fato, era espinhela caída. Por fim, a partir disso, a reza era feita sempre na parte da manhã. A pessoa levantava os braços de frente para a porta, apoiava os dois braços levantados na porta, que estava fechada, e minha mãe rezava as costas da pessoa.


Nosso Senhor quando no mundo andou

Três coisas ele fez

Arcos e portas e espinheira se levantou

Pois levanta, Senhor, a de ..........(nome da pessoa)

Pelo teu amor

(* apenas exemplo de uma oração)


Assim que acabava a reza, a pessoa descia os braços lentamente com a ajuda da minha mãe. Essa reza era feita do mesmo modo por três dias seguidos, sempre no mesmo horário da manhã. No terceiro e último dia, assim que acabava a reza, a pessoa rezada tomava uma gemada, previamente preparada por minha mãe, e era posto o emplastro de sabiá (um medicamento adesivo, analgésico e anti-inflamatório que age aquecendo a área dolorida) na altura do peito e nas costas da pessoa. Havia a recomendação para não retirar o emplastro, pois ele deveria cair naturalmente. Além disso, a pessoa deveria evitar pegar peso, fazer repouso e tomar diariamente uma garrafada (feita por minha mãe com vinho moscatel e outros elementos).


Tudo isso tenho retido em minha memória. Muitos são os sentimentos evocados a partir destas lembranças que procuro compreender, levando em conta a reflexão de Ecléa Bosi (2023:57) ao tratar desse assunto.


[..] Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho [...]. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista.


Fui aprendendo ali, no momento mesmo da reza nas pessoas, olhando e escutando tudo, já que não havia livro para ser consultado. Não sei se era a intenção da minha mãe transmitir isso para mim, mas eu sempre estava naqueles momentos de benzimento, de reza, e acabei aprendendo. O conhecimento do ofício de benzer aconteceu com muita naturalidade para mim. Assim sendo, o legado desse saber acabou sendo transmitido de forma oral para aquela que estava ali presente, acompanhando os benzimentos: eu, a sexta filha.


Em relação a transmissão do saber benzer, Moura (2009, p. 44-45) enfatiza o que foi dito no parágrafo anterior.


A transmissão do dom pode ser feita de diferentes maneiras e circunstâncias. De acordo com Vaz (2006), uma benzedeira pode aprender de maneira espontânea, receber o dom por meio do ensinamento de outra benzedeira, por necessidade perante uma grave situação e, também, a partir de uma revelação.

No caso de receber o dom de outro(a) benzedeiro(a), acrescentamos que isso pode ocorrer tanto por relações de parentesco (consanguíneo ou por afinidade), quanto por meio do aprendizado voluntário, no qual a pessoa busca assimilar a prática de um benzedeiro ou benzedeira sem ter ligações familiares.

A transmissão feita por laços de parentesco é a mais comum. O dom é passado para algum membro da família (consanguíneo ou não) que apresente as características necessárias para a prática do ritual, como interesse, respeito e convivência com aquele que benze. Dessa maneira, a pessoa escolhida traz em si o conhecimento de cada passo do ritual, inclusive das palavras. Além disso, herda a reputação conquistada pelo antigo benzedeiro ou benzedeira.


Os conhecimentos que as benzedeiras carregam são transmitidos, portanto, através da oralidade, que é uma forma de reverenciar e afirmar o saber ancestral, porém permitindo que quem o recebe possa viver a sua experiência, aprender através dela e disseminar o aprendido, mantendo o conhecimento vivo, dinâmico, conforme nos dizem Gomes, Portugal e Pinto (2016, p.20):


O termo benzedeiras ou rezadeiras se atribui ao papel desempenhado geralmente por mulheres, que sempre tiveram uma relação muito forte com natureza e possuem um saber muito útil: produzem uma classificação e uma seleção de plantas, ervas, raízes que são utilizadas como recursos terapêuticos. [...]Pelo papel que as benzedeiras desempenham junto às camadas populares das suas comunidades, pode ser visto que essas mulheres são como legítimas guardiãs das memórias de uma população, que corre o risco de perder o seu referencial cultural, oprimida especialmente pela realidade moderna (Silva 2009). O conhecimento tradicional destas benzedeiras deve ser registrado para que a sabedoria dos seus antepassados permaneça viva[...]


Em síntese, a prática do benzimento ou “reza” sempre aconteceu através das rezadeiras no interior de suas próprias casas. Ali, diante de uma pequena mesa com algumas imagens ou não, copo d’água e vela acesa, essas benzedeiras (muitas delas se diziam católicas) rezavam mau olhado, quebranto, ventre virado de crianças, espinhela caída, cobreiro, erisipela, dentre outras enfermidades do corpo e da alma. Para tal procedimento utilizavam elementos como: galho de arruda ou outras ervas variadas (vassourinha, alecrim, manjericão...), crucifixo, vela, copo com água, rosário, tesoura, faca, carvão, fios de linha, entre outros. O uso de cada elemento só é definido de acordo com o propósito do benzimento. Cabe ressaltar que se benze não apenas com o poder da oração e com objetos sagrados, mas também com os gestos, com o semblante e com o olhar. Isto porque a linguagem não-verbal também comporta inúmeros significados e significações.


As benzedeiras/rezadeiras mantêm vivo o arquétipo da mulher curadora e estão presentes em muitos lugares, recebendo ou não o nome de benzedeiras. São aquelas que conhecem os mistérios da natureza, que compreendem os ciclos da vida, que reverenciam o sagrado que há em tudo e em todos. Para elas, as enfermidades são consideradas perturbações que atingem não só o corpo, mas também o espírito, visto que estão ligadas diretamente a questões sociais, psicológicas e/ou espirituais que afetam o cotidiano de cada pessoa.


É pela força das palavras das benzedeiras, através da reza, que o mal se distancia do enfermo. Carregadas de sentidos sagrados, as palavras proferidas adquirem uma poderosa ação de cura e de mudança na pessoa ao restabelecerem o equilíbrio daqueles que são benzidos. Para isso, a fé precisa se fazer presente tanto em quem benze, quanto em quem é benzido. Entretanto, todas alertam para os que estão sendo rezados que estes devem também procurar o médico ou que não abandonem os remédios prescritos para tratarem de suas doenças físicas, psíquicas ou emocionais.


Sabendo-se que na medicina científica a atenção está voltada diretamente para o processo saúde-doença, na benzeção atenta-se para os desequilíbrios da vida provenientes de vários fatores. Assim sendo, o tratamento é realizado a partir de como o envolvido se percebe diante daquele processo. Dessa forma, as benzedeiras acolhem o outro, isto é, ao estar diante daquele que lhe pede a reza, elas escutam em primeiro lugar o que aquela pessoa está sentindo, demonstrando empatia; em seguida, fazem o benzimento com muita fé traduzido no gesto de generosidade para com o outro; e por último, conforme o caso, fazem ou não as devidas prescrições. Nessas, podem estar recomendados os chás, xaropes, “garrafadas” (espécie de tônico fortificante), uso dos “breves” ou patuás para proteção (amuletos= saquinho de tecido contendo algum elemento que a pessoa carrega consigo junto ao corpo), banhos de ervas, emplastros, cataplasmas, dentre outros.


A despeito de o benzimento ainda ser visto socialmente de forma preconceitua, já é possível encontrar, em alguns lugares do Brasil, benzedeiras que em suas cidades são reconhecidas por lei como agentes de saúde pública; ou atuam em conjunto com médicos de família, auxiliando no combate à mortalidade infantil; ou, mais recentemente, nas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no Sistema Único de Saúde (SUS).


Em duas cidades do Paraná, Rebouças (desde 2009) e São João do Triunfo (desde2011), as benzedeiras cadastradas têm livre acesso a qualquer terreno, inclusive os privados, para pegarem as ervas medicinais necessárias a fim de realizarem a prática do benzimento, desde que sejam respeitadas as lei ambientais. Observado somente pelo aspecto de que o cuidado e a preservação da natureza já fazem parte do saber e rotina das benzedeiras, este condicionante imposto pela lei acaba sendo, à primeira vista, desnecessário. Entretanto, sabemos que para a elaboração das leis é preciso um olhar muito mais abrangente, muita cautela e perspicácia. Cabe destacar que pelo trabalho desempenhado junto à população daquelas cidades, as benzedeiras conquistaram, em 2011, o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, do IPHAN, pelo projeto de mapeamento social das benzedeiras da região, com o apoio do MASA – Movimento Aprendizes da Sabedoria.


No Ceará, no município de Maranguape, a ação conjunta de médicos e benzedeiras obteve uma significativa vitória sobre a morte de crianças pequenas. A razão para tal êxito é que essas mulheres benzedeiras estão muito mais próximas da realidade da sua comunidade, conhecem ervas variadas, bem como dispõem de soluções alternativas para problemas que, em não sendo atendidos a tempo, ocasionam óbito.


No Distrito Federal, sempre na última sexta-feira do mês, na Unidade Básica de Saúde 1 do Lago Norte, as benzedeiras estão lá, voluntariamente, fazendo o benzimento nas pessoas que procuram a unidade, mesmo o benzimento não fazendo oficialmente parte do rol das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS).


As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. As práticas foram institucionalizadas por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC).

São elas: Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura, Medicina Antroposófica, Homeopatia, Plantas Medicinais e Fitoterapia, Termalismo Social/Crenoterapia, Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa, Yoga, Apiterapia, Aromaterapia, Bioenergética, Constelação familiar, Cromoterapia, Geoterapia, Hipnoterapia, Imposição de mãos, Ozonioterapia e Terapia de Florais.

(Ministério da Saúde gov.br)


Segundo Rezende (2022), desde 2017, quando as benzedeira deram início às suas ações por meio das PICS, no Distrito Federal, cerca de 9 mil pessoas foram atendidas nas UBS 115 Norte, UBS Asa Sul e UBS Lago Norte. No entanto, é preciso enfatizar que as PICS não substituem o tratamento tradicional. Elas são um complemento no tratamento e são indicadas por profissionais específicos, conforme as necessidades de cada caso.


A médica Sanitarista, Especialista em medicina de família e comunidade e Mestre em saúde coletiva, Drª. Carmem De Simoni, responsável pela institucionalização das Práticas Integrativas e Complementares no SUS, em entrevista ao Correio Brasiliense (06/11/2022), explica o seguinte em relação à presença das benzedeiras em Unidades Básicas de Saúde:


Elas não estão somente no Distrito Federal. Essa é uma iniciativa que ocorre também em outras partes do país, como em Fortaleza, por exemplo. As benzedeiras trabalham com plantas medicinais e com outros elementos da natureza para promoverem curas energéticas. Elas estão no campo, principalmente, do saber popular. Essa prática foi muito fortalecida e resgatada. Faz uma interface com a Educação Popular em Saúde.


Em relação ao saber popular das benzedeiras mencionado na citação acima, é pertinente destacar algumas reflexões de Moura (2009) acerca deste assunto, para que possamos ampliar a nossa compreensão.


Sendo a benzeção uma manifestação da cultura popular, é preciso considerar o processo social e cultural no qual estão inseridos seus produtores. Como sujeitos sociais, os produtores estão relacionados a condições de existência e interesses do segmento da sociedade da qual fazem parte: exploradores e dominados.

Refletir sobre a benzeção, portanto, significa entender como ela foi produzida, o contexto social-político e econômico que levou a sua existência e, principalmente o que ela expressa.

Apesar de a transmissão de determinados elementos da benzeção ter ocorrido por meio da repetição do passado, compreendemos que se trata de uma manifestação cultural dinâmica, à qual se incorporaram elementos que promoveram sua adequação às exigências de novos contextos. Não é algo imutável ou passível de cristalização. Se assim fosse, provavelmente já teria desaparecido há muito tempo. (p. 48-49)


Em um país desigual como o nosso, para a população mais necessitada (os pretos, pobres, favelados, quilombolas; indígenas; pessoas do meio rural etc.) há e sempre houve uma carência de recursos médicos oficiais. Assim, as benzedeiras – portadoras de saberes ancestrais – passam a ser as verdadeiras “médicas” em suas comunidades, por serem elas as únicas opções para tratamento das enfermidades. Isso faz com que elas sejam consideradas, de certa forma, instrumentos de intervenção no processo histórico-social onde atuam.


Entre as benzedeiras e a sociedade existe um acordo tácito de não se cobrar valores financeiros pelos serviços dos cuidados prestados, algo que pode ser explicado, em parte, pela condição histórica que forjou a existência dessa abordagem terapêutica. Como já dito anteriormente, as benzedeiras surgem num contexto de extrema necessidade e carência médica, precisamente no período do Brasil-Colônia onde não havia assistência alguma para a população incipiente.

(CASTRO TEIXEIRA: 2022, p. 46)


Buscando estabelecer o espaço de atuação da medicina oficial e o da prática da benzedura, Moura (2009, p. 53-5)5 ainda salienta que:


a benzeção delimitou seu espaço de atuação convivendo com a medicina oficial, sem com isso perder sua importância para os indivíduos que ainda procuram a relação mais próxima, mágica e afetiva de benzedeiros (as).

A prática de benzeduras como expressão da medicina popular, encaixa-se no conceito de medicina tradicional, uma vez que, o modo de transmissão é feito basicamente de forma oral e gestual e não se comunica por meio de uma instituição médica, mas pela familiar e pela vizinhança. [...] Seus procedimentos estão calcados no empirismo terapêutico no qual, a observação e conhecimento experimentado, fornecem-lhe a base para a eficácia em determinados casos. Representa uma forma específica de se pensar o corpo, a doença e a cura, baseados numa concepção simbólica e mágica do mundo[...]

[...]

A persistência da benzeção se opõe, de certa forma, à trajetória do pensamento ocidental moderno, dentro do qual se situa a medicina oficial. Ao longo do processo conhecido como modernidade, a medicina rompeu com a religião e fundamentou sua prática no campo científico, laico e cético, calcado do racionalismo, na observação empírica, na fragmentação e especialização dos saberes. Nesse sentido, a benzeção difere da medicina oficial na medida em que propõem a junção de experiências e conhecimentos visando à restauração física, emocional e espiritual do doente.


Perante o exposto, portanto, é necessário não só redimensionar a nossa compreensão a respeito de o benzimento ser uma manifestação do saber popular, mas também entendê-lo como um dos integrantes também na lista da medicina tradicional. Assim, quando a Drª. Carmem De Simoni - já citada anteriormente - refere-se à prática da benzedura como uma interface da Educação Popular em Saúde, ela está dizendo do diálogo existente, da interação entre saberes para a promoção, proteção e recuperação da saúde de forma integral. Sendo assim, o resgate e a valorização deste saber ancestral das benzedeiras, cujos conhecimentos herdados advém, em grande parte, das culturas dos povos originários africanos e indígenas, passam a ser prementes em nossa sociedade. Urge, então, a inclusão do benzimento na lista das PICS. Talvez ele não esteja na listagem das PICS “por ser uma abordagem médico-popular que descende das populações historicamente subjugadas e subalternizadas na sociedade brasileira” (CASTRO TEIXEIRA, 2022, p. 53-54).


Em nome do resgate da prática do benzimento, estamos vendo, recentemente, muitos jovens e até mesmo pai e mães de santo utilizando as redes sociais - Instagram e Facebook - para oferecerem cursos de benzimento, alardeando que todos podem benzer e, inclusive, que podem fazer benzimento à distância. Isto se intensificou, notadamente, durante a pandemia de covid-19. É sabido que as benzedeiras sempre fizeram benzimento à distância. Para isso, muitas utilizavam o nome completo da pessoa, o endereço onde ela residia ou o local em que estava internada, e, utilizando um copo com água, fazia o benzimento. Entretanto, a grande problemática que se apresenta é a questão de que todo mundo pode benzer, não importando se é católico, umbandista, candomblecista, xamânico... Basta somente fazer um curso para ficar habilitado para exercer o ofício.


Em relação à questão de que todo mundo pode fazer benzimento, alinho-me às reflexões Cunha (2017, p. 13-14) quando nos diz que:


Não é qualquer pessoa que pode benzer. A transmissão desse saber se deu geralmente na infância, seguindo um complexo sistema em que além da convivência com possuidores desse saber, ainda seria necessário dom. Não cumprir esse preceito, assim como guardar o segredo das palavras e orações, seria enfraquecer as “forças” do(a) benzedor(a). Uma oração muito difundida não possui o mesmo poder daquela “reza forte” guardada na memória e transmitida ao pé do ouvido. Benzeção é um dom[...] É por meio da transmissão oral e da observação de outros benzedores que estas recebiam e manifestavam o dom e apreendiam o ofício.

Ora, se a força da benzeção estivesse apenas no ramo, qualquer um poderia benzer. Da mesma forma, se estivesse apenas nas palavras escritas, qualquer oração ou santinho poderia valer como benzeção, bem como pelo argumento da fé, qualquer um que crê poderia tornar-se benzedor(a).

[...]

[...]mesmo que qualquer pessoa possa rezar em intercessão por outra, seja através de alguma oração por vezes passada de mão em mão, seja por pedidos individuais, isso não pode ser confundido com a cura das benzedeiras, já que essas realizam um ritual muito mais complexo que envolve o dom, as técnicas, a performance que englobam esses saberes exercidos como ofício.


É estarrecedor ver e ler as inúmeras propagandas que circulam nas redes sociais divulgando cursos de benzimento à distância e cursos de benzimento a preço popular pelo WhatsApp. Os benzimentos viraram “pratos gourmet” servidos ao gosto do cliente. Encontrei na Internet uma propaganda de um sacerdote de Umbanda que dizia assim:


Aprenda como benzer com os mais diversos elementos e conheça seus benzedeiros ancestrais!

Benzimento é o mais novo curso que aborda todos os fundamentos da técnica ancestral de benzer. Prática ancestral difundida principalmente pelas mãos dos pretos-velhos e caboclos, o benzimento estabelece uma experiência única de contato com o espírito que, há gerações, lhe acompanha com esta missão.

Para esse curso não tem pré-requisito. Idade mínima: 18 anos.

Observação: dia de curso- com duração de 9 horas

Valor: R$ 200.00 em até 18 vezes no cartão de crédito.

Quanto a esses anúncios que circulam nas redes sociais e a realização do ofício de benzer aprendido em cursos online, concordo com Cunha (2018, p. 161-164) ao dizer que:

[...]Plastificam o feminino e o vendem como algo tópico, mera perfumaria dos prazeres do ego. Não se chega ao fundo da questão. Há uma gourmetização de saberes e de seus usos, discriminando mais que integrando. Ao invés de se acessar esses saberes diretamente pela convivência, a experiência cotidiana, ele é primeiro fetichizado, idealizado, e faz justamente o caminho inverso ao que fizeram nossas antepassadas, que se uniam em roda para aprender com as mais velhas[...]

[...] parece um novo modismo o que tem acontecido com os saberes da tradição de uma maneira geral. Romantizam-se um passado ideal e apropriam-se desses saberes sobre uma roupagem que a única coisa que lembra os antigos mestres de ofício, é o nome e o prestígio que carrega aquele saber.

Apropriam-se de saberes tradicionais e vendem miscelânea de jargões de domínio público cometendo um triplo equívoco: primeiro fazem uso da tradição como marketing ao passo que oferecem conteúdos superficiais sobre os ofícios em cursos de finais de semana ou à distância e por fim, anunciam-nos com exclusivos desse ou daquele indivíduo, faltando muito pouco para nomeá-los como patenteadores desse saber, através de sinônimos como sintonizadores, criadores do método, possuidores do verdadeiro saber e únicos capazes de oferecê-los em cursos pagos.

É nesse aspecto que o surgimento, nos dias de hoje, de benzedeiras formadas por cursos na internet, embora possam num primeiro momento parecer a continuidade desse saber de cura e exercício do ofício, não são necessariamente o mesmo processo de construção e transmissão desse saber.

Não quero com isso dizer que não seja possível que as benzedeiras possam nos dias de hoje surgir a partir do acesso aos meios digitais que são nos dias de hoje muito mais que espaços virtuais, mas sim que não é a mera posse de um diploma de curso pago que vai legitimar a benzedeira. Esse saber persistirá à medida que se transforma e se adapta ao seu tempo, mas não deixam de prescindir desse momento fundante da descoberta e reconhecimento do dom


Com a esperança de ter colaborado para um olhar mais abrangente acerca da prática do benzimento e para a valorização e respeito para com o saber ancestral que as benzedeiras carregam e disponibilizam generosamente através do ofício de benzer, encerro aqui este artigo, pedindo bênçãos a minha mãe e saudando os pretos e pretas velhas, que nos terreiros de Umbanda são nossos benzedeiros(as).


Estou querendo me rezar

Tá faltando rezador

Vou chamar o preto velho

Que ainda não chegou

Bate palmas pra ele

Que ele vem

Ele vem em seu louvor



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BOSI, E. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. 20ªed. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.

CASTRO TEIXEIRA, Carolina de. Benzimento: a resistência em forma de cuidado clama por seu espaço nas políticas públicas de saúde integrativa. Aceno –Revista de Antropologia do Centro-Oeste, 9 (20): 41-56, maio a agosto de 2022.

Disponível:https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/view/13557Acessado em maio 2023

CUNHA, L.A. Abençoada Cura: poética da voz e saberes de benzedeiras. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Ciências Sociais da UFRN. Natal, dezembro de 2017.

Disponível:<https://repositorio.ufrn.br/bitstream/123456789/25621/1/AbencoadaCuraPo%c3%a9ticas_Cunha_2017.pdf> Acessado em maio de 2021

DINIZ, E. E. C. S; DINIZ, E. C. S. A arte de curar: saberes e práticas de rezadeiras e benzedeiras no cuidar da saúde. V CONEDU- Congresso Nacional de Educação. Universidade Federal da Paraíba -UFPB/ Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões.

Disponível: <https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2018/TRABALHO_EV117_MD1_SA6_ID8014_17092018225050.pdf> Acessado em de maio de 2021

GOMES, T.B; PORTUGAL, A.S.; PINTO, L.J.S. Plantas utilizadas por uma Benzedeira em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil. Natureza online -EFSA- 15 (1): 019-027- 2016

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MACIEL, M.R.A.; NETO, G.G. Um olhar sobre as benzedeiras de Juruena (Mato Grosso, Brasil) e as plantas usadas para benzer e curar. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 3, p. 61-77, set-dez. 2006

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MOURA, E.C.D. Entre ramos e rezas: o ritual de benzeção em São Luiz do Paraitinga, de 1950 a 2008. Dissertação - Mestrado em Ciência da Religião: Pontifícia Universidade Católica,2009.

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Você sabia que as benzedeiras têm já seu ofício legalizado? Publicado por Redação greenMe em 11/05/2016

Disponível: <https://www.greenme.com.br/viver/saude-e-bem-estar/61549-voce-sabia-que-as-benzedeiras-tem-ja-seu-oficio-legalizado/> Acessado em maio de 2021




Yatemy Regina de Tobossy - AxéNews

Mãe Lelê

Mãe Lelê, Leizimar G. da Costa e Silva, está na Umbanda há mais de 50 anos. Foi consagrada como sacerdotisa de Umbanda no dia 23 de abril de 2011 no Centro Espírita São Jorge de Ronda, fundado em 1975 por sua mãe carnal, D. Lais, e também sua mãe na Umbanda. E sendo assim, valoriza o lugar de onde veio; lugar onde construiu a sua identidade e aprendeu a viver e a conviver com o sagrado de forma respeitosa e livre. [+ informações de Mãe Lelê]


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