Por: Doné Conceição d’Lissá
03/05/2024 | 14:04
Começaremos mais uma vez nossas reflexões com uma frase de Sueli Carneiro: “Não devemos nos esquecer de que o movimento negro nasce quando o primeiro negro desembarca escravizado aqui no Brasil”.
Falamos em nosso último artigo sobre, entre outras coisas, o legado deixado por nossos ancestrais e por nossos antepassados.
Pois bem, que tal voltarmos um pouco para nossas origens, as origens destes de quem recebemos não só a família consanguínea, mas também a família dos divinizados que louvamos e reverenciamos em nossos rituais sagrados. Refletindo sobre o papel de responsabilidade e de merecimento que se faz necessário para ocupação do cargo de “mais velho” de sacerdote/isa em nossos Candomblés.
Como já foi dito, minha intenção não é responder com verdades inquestionáveis e nem apontar meus conceitos e meus valores como sendo os a serem seguidos. Vale a conversa franca sobre o passado e o presente, a reflexão sobre os tempos de antes e de hoje.
Somos capazes de continuarmos merecedores das nossas energias primitivas e mais puras? Estamos ainda em contato com essas energias?
Somos frutos de muitas gerações de negros, brancos e indígenas e temos de todos uma memória constitutiva de nossa essência.
Dizemos que somos descentes de Deuses e Deusas, Reis e Rainhas, e tudo que nos resta, são os ensinamentos que somente dentro das casas de Candomblés conhecemos de Vóduns, Orixás e Inkices. Esses são nossos guardiões, nossos conselheiros, nossos orientadores.
Entretando, a diáspora a qual se submeteram sofreram muitas adaptações. Como diria Pierre Nora, historiador francês, “o nosso homem-memoria” aquele que detém a responsabilidade de possibilitar através de tudo que adquiriu de conhecimento de seus antepassados, reproduzir refazer vivas memorias.
Sem que tenhamos entre nós esse “homem-memoria” sem nossos “mais velhos” como repetiremos em nossas casas de Candomblé os ritos que iniciam neófitos de diversas divindades?
Estamos perdendo ícones de detentores de conhecimentos e de “poder divino” dados pelos nossos ancestrais, em todas as matrizes no Brasil todo. Não só na Bahia, em Salvador, Rio de Janeiro, mas, no Maranhão e em outros estados. Como ficam esses descendentes? Ressignificam a existência de seu “mais velho” “conhecem de seus saberes e fazeres? Foram preparados para esta perda?
Muito se houve a máxima Candomblé se aprende no axé, na casa de santo, no terreiro, somos ensinados a não buscar a sabedoria dos livros, porém hoje nos deparamos com as interações de conhecimentos expostos pela internet, a inteligência artificial respondendo perguntas sem nenhum resquício de que nossos conhecimentos são “segredos”, que deveriam ser compartilhados apenas com nossos “iguais”, “irmãos na fé”, e não por toda e qualquer pessoa que tenha acesso a internet.
Como garantiremos que esses “segredos” sejam mantidos a salvos desse escrutínio?
Ainda teremos essa figura do “homem-memoria”, do “mais velho”? Por quanto tempo? Ou “Ele” será substituído por um aplicativo, softwares que irão iniciar nossos futuros neófitos nos Candomblés.
Não pretendo responder tais perguntas, mas convido a reflexão.
A benção.
Doné Conceição d’Lissá
Sacerdotisa do Kwê Cejá Gbé, Unidade Territorial de Matriz Africana, Djeje Mahin, Psicóloga, Bacharel em Direito, Doutora Honóris Causa, Mestranda de Memória Social pela UFRJ/ UNIRIO, Conselheira Municipal de Cultura de Duque de Caxias, Presidenta da Câmara Popular de Vereadores de Duque de Caxias, membro da Renafro Baixada.
Rede Social de Doné Conceição d’Lissá:
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