Exposição apresenta mais de 140 obras de 62 artistas brasileiros
13/11/2024 | 10:59
Nos livros, nas salas de aula, em exposições de arte e museus, a história e cultura do Brasil vêm sendo perpetuadas pela ótica dos brancos. A partir de 16 de novembro, uma outra visão será apresentada em Encruzilhadas da Arte AfroBrasileira. Composta por mais de 140 obras, a exposição realizada no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ) tem curadoria de Deri Andrade e reverencia a contribuição dos artistas negros para o país.
Sucesso em suas passagens pelos Centros Culturais do Banco do Brasil em São Paulo e Belo Horizonte – onde foi vista por mais de 300 mil pessoas – a exposição chega ao Rio durante a realização dos encontros do G20 Social e se apresenta como mais uma oportunidade de contato do público nacional e internacional com a arte brasileira. Em cartaz até 17 de fevereiro, a mostra é patrocinada pelo Banco do Brasil e BB Asset, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), e produzida pela Tatu Cultural.
Para a abertura, em 16 de novembro (sábado), o CCBB RJ está preparando um momento especial: às 16h o Terreiro de Crioulo se apresenta, gratuitamente, no térreo do Centro Cultural. Um encontro com muito samba de raiz e muita energia positiva, alegria e cheio de axé. A entrada é livre, mas haverá emissão de ingressos, disponibilizados na bilheteria digital e no site do CCBB. A exposição estará aberta ao público já a partir das 9h e as galerias permanecerão abertas durante todo o dia.
Ainda no dia de abertura, às 14h, o público conferirá a performance “Do que são feitos os muros”, de Davi Cavalcante. O artista construirá um muro, com tijolos que trazem diversas palavras. O trabalho propõe uma reflexão poética sobre o peso da ação humana na construção das relações com o espaço e seus pares.
A EXPOSIÇÃO
Coletiva, a exposição contempla o trabalho de 62 artistas, entre eles 12 cariocas nascidos ou
adotados pela cidade. Dois estão entre os homenageados pela mostra, Lita Cerqueira e
Arthur Timótheo da Costa. Os demais são: Andrea Hygino, André Vargas, Panmela Castro,
Guilhermina Augusti, Matheus Ribs, Mulambö, Kika Carvalho, Elian Almeida, Rafa Bqueer e
Yhuri Cruz.
“O propósito é um diálogo transversal e abrangente da produção de autoria negra em todo
território nacional, mas há destaques locais, evidentemente”, comenta Deri Andrade,
curador da mostra. “Sempre convidamos artistas que sejam reconhecidos nos estados em
que a exposição é montada”, explica.
No segundo andar e no espaço próximo à bilheteria estarão pinturas, fotografias, esculturas,
instalações, vídeos e documentos que revelam diferentes épocas e discussões, contextos,
gerações e regiões. De grande abrangência, a mostra percorre do período pré-moderno à
contemporaneidade.
Os trabalhos estão alocados em cinco eixos: Tornar-se, sobre a importância do ateliê de
artista e do autorretrato; Linguagens, que aborda os movimentos artísticos; Cosmovisão, a
respeito do engajamento político e direitos; Orum, sobre as relações espirituais entre o céu
e a terra, a partir do fluxo entre Brasil e África; por último, Cotidianos, que aborda as
discussões sobre representatividade.
Cada eixo é representado por artistas negros emblemáticos: Arthur Timótheo da Costa (Rio
de Janeiro, RJ, 1882-1922), Lita Cerqueira (Salvador, BA, 1952), Maria Auxiliadora (Campo
Belo, MG, 1935 - São Paulo, SP, 1974), Mestre Didi (Salvador, BA, 1917- 2013) e Rubem
Valentim (Salvador, BA, 1922- São Paulo, SP, 1991).
FIGURAS CENTRAIS
No primeiro eixo, o público confere a arte do carioca Arthur Timótheo da Costa, cuja
produção transita entre os séculos 19 e 20, expõe a relação do artista com seu ateliê, com a
pintura, a fotografia e com artistas que se autorretratam. Seus traços revelam certa
dramaticidade e evoluem para uma obra pré-modernista.
Rubem Valentim, homenageado na seção 2, é considerado um mestre do concretismo
brasileiro. Propõe uma discussão sobre forma e elementos religiosos. Iniciou a carreira
produzindo de natureza-morta a flores e paisagens urbanas e enveredou para o uso de
símbolos e emblemas geométricos de religiões de base africanas.
O eixo 3 é dedicado à mineira Maria Auxiliadora, que encanta pelo uso das cores em seus
retratos, autorretratos e festas religiosas. Mas não só. Sua obra carrega uma discussão mais
política, engajada no debate sobre moradia, territórios, segurança alimentícia e direitos da
população negra.
Mestre Didi, na seção 4, foi artista e sacerdote, revelando muito da espiritualidade e da
relação Brasil/África em seus trabalhos. Sua obra também é marcada pelo uso de materiais
naturais como búzios, sementes, couro e folhas de palmeira e trata bastante das afroreligiosidades a partir das relações entre Brasil e África.
No último eixo, a artista central é Lita Cerqueira, única ainda viva dentre os cinco nomeschave da exposição. Aos 72 anos se consagra como uma das mais importantes
representantes da fotografia brasileira, com reconhecimento internacional. Iniciou a
carreira capturando imagens de festas populares da Bahia, da capoeira e detalhes da
arquitetura do centro histórico de Salvador. Logo depois, enveredou para a fotografia
cênica, realizando importantes registros de músicos de sua época, como Gilberto Gil,
Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. Atualmente, vive e trabalha no Rio de Janeiro.
CURADORIA
A exposição é um desdobramento do Projeto Afro (projetoafro.com), em desenvolvimento
desde 2016 e lançado em 2020, que hoje reúne cerca de 330 artistas catalogados na
plataforma. São nomes que abarcam um vasto período da produção artística no Brasil, do
século 19 até os contemporâneos nascidos nos anos 2000. “A exposição traz outra
referência e um novo olhar da arte brasileira aos visitantes”, afirma o curador. “A história da
arte do Brasil apaga a presença negra e o artista negro do seu referencial, a exposição
enfatiza essa produção como central para repensarmos nossa própria história”, completa.
O trabalho de pesquisa por trás do projeto e da exposição nasceu do desejo e, na sequência,
da frustração de Andrade ao não encontrar muitas referências em torno da arte afrobrasileira no Brasil. Ao se debruçar em publicações, materiais de outras exposições (a exemplo de várias com curadoria de Emanoel Araujo nos anos 90, que mais tarde viria a se tornar diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo e fundador do Museu Afro Brasil) e inúmeras pesquisas para o mapeamento de artistas negros e suas obras pelo Brasil, Deri Andrade iniciou um minucioso projeto de catalogação de uma arte que, por vezes, foi marginalizada pela sociedade.
“Ser artista acho que já é difícil, ser artista negro no Brasil é ainda um pouco mais
complicado”, afirmou o artista Sidney Amaral (São Paulo, SP, 1973/2017), em 2016, ao ser
entrevistado pelo projeto AfroTranscendence. Desde a conversa, esse pensamento
acompanha Andrade, que dedica parte de seu tempo a conhecer e investigar a produção
artística de autoria negra no Brasil.
Deri também é pesquisador e curador, jornalista por formação, curador assistente no Instituto Inhotim e criador da plataforma Projeto Afro (projetoafro.com) de mapeamento e difusão de artistas negros/as/es.
SERVIÇO
Exposição: Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira
Período: de 16 de novembro de 2024 a 17 de fevereiro de 2025
Funcionamento: de quarta a segunda, das 09h às 20h (fecha às terças)
Local: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro
Endereço: R. Primeiro de Março, 66 - Centro, Rio de Janeiro
Informações: bb.com.br/cultura
Entrada gratuita
Ingressos disponíveis a partir de 04 de novembro, na bilheteria física e no site do CCBB RJ.
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