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O poder da mulher na visão iorubá

Por: Iya Paula de Odé

Foto: Carta Capital

10/03/2023 | 19:49


Esse é o mês do Dia Internacional das Mulheres, e não há melhor mês para estrear como colunista do AxéNews falando sobre o poder das mulheres. Porém, na perspectiva iorubá, com um olhar racializado, voltamos nosso olhar para o Dia da Mulher Negra, comemorado dia 25 de julho, e não sobre o olhar embranquecido, comemorado dia 8 de março. Mas mulher é mulher! Todas tem as suas demandas, sejam elas pretas ou brancas.



Eu estive no continente africano no ano de 2021 e lá vivi as melhores experiências. O que mais me chamou a atenção foi ver a altivez das mulheres nigerianas. Ainda que fossem vendedoras de pimenta na beira da estrada, lá estavam elas altivas e bem arrumadas. Precisamos entender o que a colonização fez conosco e nos inspirar naquelas mulheres, fortes, altivas e empoderadas. Em nenhum momento durante a minha estadia naquele solo sagrado vi as mulheres olhando para o chão. Esta cena só era possível ver quando elas estavam reverenciando o Sagrado.


A mulher na cosmovisão iorubá é sobre potência! É o poder!


É urgente tomarmos posse na nossa vida deste poder e desta potência. O patriarcado, sobretudo branco e colonizador, sempre colocou a mulher em situações subalternas e inferiores. Quando conhecemos os mitos iorubás, podemos perceber o quão poderoso é o lugar da mulher nesta perspectiva e o que nossa ancestralidade deixou para nós como legado, ensinando que o poder que está contido no nosso corpo e na nossa alma.


Conta a lenda que quando os Orixás chegaram à terra, organizavam reuniões das quais mulheres não podiam participar. Oxum, revoltada por não poder participar das reuniões e das deliberações,resolve mostrar seu poder e sua importância tornando estéreis todas as mulheres, secando as fontes, tornando assim a terra improdutiva. Olodumaré foi procurado pelos Orixás que lhe explicaram que tudo ia mal na terra, apesar de tudo que faziam e deliberaram nas reuniões. Olodumaré perguntou a eles se Oxum participava das reuniões, foi quando os Orixás lhe disseram que não. Explicou-lhes então, que sem a presença de Oxum e do seu poder sobre a fecundidade, nada iria dar certo.


Os Orixás convidaram Oxum para participar de seus trabalhos e reuniões, e depois de muita insistência, Oxum resolveu aceitar. Imediatamente as mulheres tornaram-se fecundas e todos os empreendimentos e projetos obtiveram resultados positivos. Oxum é chamada Iyalodê (Iyalode), título conferido à pessoa que ocupa o lugar mais importante entre as mulheres da cidade.


Nesse itan é possível perceber a força que Oxum tem sobre os homens aqui na terra. É bem verdade que na Cultura iorubá os homens sabem muito bem o poder que a mulher tem. Como podemos ver Oxum é fertilidade sem ela nada cresce sem ela nada vive. Oxum é a representação das mulheres aqui na terra.


Um outro exemplo de força no que diz respeito ao feminino é o poder da menstruação. Já perceberam ou ouviram falar que quando várias mulheres estão no mesmo ambiente os seus ciclos menstruais se regulam linearmente. As mulheres passam a menstruar na mesma época, isso é um sinal para o mundo espiritual para que todos saibam a força que tem aquele grupo de mulheres.


Nesse contexto é importante que nós mulheres sejamos solidárias umas às outras. precisamos praticar a sororidade. Precisamos nos aquilombar mais, nos ajudar mais, nos proteger mais, e sobretudo, nos ouvir mais.


O Ocidente sempre nos levou para o caminho da exclusão, da diminuição e da culpa. Oxum, este mesmo Orixá nos ensinou a não termos culpa de sermos quem somos. Reza a lenda que Oxum limpava primeiro as suas joias para depois cuidar dos seus filhos. A cultura ocidental sempre apontou defeitos das mulheres sobre a maternidade. Se um filho tem um problema comportamental, principalmente na adolescência, a culpa é sempre das mães. Se nós mulheres priorizarmos as nossas vidas profissionais por exemplo e um filho “der defeito” a culpa vai ser nossa. Sejamos como Oxum, cuidando primeiro de nós, do nosso corpo, da nossa mente, do nosso espírito para depois cuidar do outro. Isso não é egoísmo, isso é sabedoria ancestral. O cuidado com o outro muitas das vezes nos leva à exaustão. Exaustão essa que não é compensada. Seremos muito mais assertivas quando nos encontrarmos bem para podermos dar o nosso melhor para o outro.


O Ocidente também nos condicionou que nós mulheres temos que permanecer humildemente ao lado dos nossos algozes, ainda que humilhadas, silenciadas, desqualificadas e subentendidas porém não foi isso que as deusas e iorubás deixaram para nós como legado. Oyá por exemplo deixou algum para trás depois de viver afetivamente longos anos com ele, por ele ter quebrado os acordos firmados entre ambas as partes de uma bela borboleta oya se transformou em búfalo sem nenhum constrangimento. E é assim que nós mulheres temos que nos comportar, transgredindo as ordens do patriarcado e da sociedade eurocentrada e transcendendo a voz do nosso coração. E os filhos? Ah! Como Oyá fez, deixou com os seus nove filhos um par de chifres onde em caso de urgência, eles poderiam bater um chifre no outro que Oyá viria imediatamente para atender ao seu socorro.


Olhar para e seguir como a mulher iorubá é necessário ter fé no poder feminino enquanto energia e coragem para fazer os movimentos. Angela Davis já dizia: “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Então já é chegada a hora de se movimentar menina!


Que esses ensinamentos possam tocar na alma de todas as mulheres que estão lendo esse artigo para que as chaves para a liberdade de ser o que é sejam viradas. Que esse seja um revolucionário novo olhar de ver o mundo. Sermos mulheres em diáspora não nos impede de olharmos para quem veio antes de nós e nos inspirarmos para transformarmos as nossas vidas.


Um brinde para nós mulheres que conseguiram virar a chave em tempo hábil antes que fôssemos sucumbidas pela crueldade do patriarcado. Que a força de todas nós, juntas, possa ser inspiração para aquelas que ainda não conseguiram. E quando em algum momento duvidares da força que tens, lembre-se que o ser humano só chega ao mundo terreno naturalmente se for pela barriga de uma mulher




Iya Paula de Odé - AxéNews

Iya Paula de Odé

Iyalorixá Paula de Odé, idealizadora e presidente do Instituto Ọṣẹ Dúdú, Presidente do Afoxé Ómó Ifá - RJ, ativista, palestrante e pesquisadora do grupo Africanias da escola de música da UFRJ




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