Por: Iyá Marlise de Oxum
02/01/2023 | 18:12
Egbe Orun é um assunto ainda pouco conhecido entre os/as praticantes e/ou simpatizantes das tradições culturais afro-religiosas de matrizes africanas. Por este motivo escolhemos este tema, sem entrar em fundamentos ou ferir o chamado awo (segredo), um dos pilares do culto.
A tradição Iorubá acredita que cada ser humano pertence a pelo menos um, dentre os vários grupos ou comunidades de espíritos existentes no Orun (“céu”). Esses grupos são chamados de “sociedades do céu”, ou seja, “Egbe Orun”. Supõe-se que aproximadamente aos 3 meses de gestação o espírito deixaria o Orun e “entraria” no útero da mãe, ficando no plano espiritual o seu Enikeji (o seu duplo ou ‘sua cópia’).
Essas sociedades formam um coletivo ou espécie de egrégora que influencia e atribui um conjunto de características ao ser humano, impondo limites e até determinadas características e traços do temperamento, comportamento e caráter. Assim, até a tendência em passar por alguma dificuldade ou conflitos em relacionamentos afetivo-sexuais, ou na família consanguínea, pode ser influenciada pelo Egbe Orun. Vale destacar que até mesmo o tempo de vida no aye (planeta Terra) pode ser influenciado pelo Egbe Orun do indivíduo.
Às vezes, a pessoa vive com dificuldades que não são originadas por problemas com Odu, Orixá ou Egun. O problema pode ser oriundo da necessidade de cultuar Egbe Orun. Um exemplo de conflito vivenciado por influência de Egbe é quando a sociedade da criança que nasce pertence a uma comunidade que tem “tensões” com o Egbe da mãe. Neste caso, a gravidez pode ser muito difícil ou de risco, e se for até o fim, filho e mãe podem vir a ter sérios embates ou relações conturbadas.
Outro caso que requer maior atenção ou intervenção de alguém que conheça o assunto e esteja autorizada a cuidar do fenômeno Egbe Orun é quando o indivíduo é identificado como pertencente à sociedade Abikú. Neste caso, a mãe durante a gravidez (quando tem acesso a essa informação) e a própria pessoa devem cultuar Egbe Orun ou até mesmo serem iniciados em Egbe, de acordo com a orientação de um oráculo a ser consultado por Babalawo, Iyanifá ou Iyá Egbe. Quando iniciados em Egbe Orun, os indivíduos são denominados Elegbe.
Os Egbe Orun são vários - Alaragbo, Emere, Abikú, Bayoni, dentre outros - e são ligados à mata, água, terra, fogo. O culto é realizado em ojubó (assentamentos) ou árvores, principalmente na ogede (bananeira). Estes possuem ritos específicos, cânticos, ebó (oferenda) e osé (limpeza). Uma das suas principais saudações é: Muso o o o!
Egbe Orun aprecia várias oferendas em cultos preferencialmente coletivos. A ideia é a troca feita sobretudo através do unje (comida), onde “comungamos” com a nossa família celestial, demonstrando a nossa gratidão e pedindo benções. As oferendas mais utilizadas são: brinquedos, frutas sobretudo a banana, laranja e outras, doces, akasa, ekurú, ireke (cana de açúcar), oiyn (mel), otin (gin), epo pupá (azeite de dendê), refrigerante, obi, orogbo, dentre outras. Mas é sempre recomendado se perguntar o que Egbe Orun quer receber e onde.
Como é comum serem oferecidos doces e brinquedos, não raro se toma Egbe Orun como equivalente a Erè – dimensão infantil, intermediária entre orì e Orixa – ou mesmo como equivalente ao Orixá Ibeji.
Assim, para honrar os acordos firmados com nosso Egbe Orun e fortalecer nosso elo com o nosso enikeji (duplo celestial), bem como para caminharmos no aye na direção de iwa pelé (bom caráter) devemos reverenciar nossa família de amigos celestiais, louvando nossa Egbe Orun e a Mãe de Egbe na Terra, Iyálóde.
Musso o o o! Epaa Ìyálóde!
Iyá Marlise de Oxum
Yalorixá do Ilé Axé Iyalode Oxum Kare Ade Omi Aro /Nova Iguaçu - RJ
Professora Aposentada da UFRJ
Doutora em Ciências Sociais
Ativista/Pesquisadora em Direitos Humanos.
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