Por: Ana Paula Mendes de Miranda
02/10/2024 | 19:23
Ana Paula Mendes de Miranda, Andréia Soares Pinto, Pedro Jardim Fontenelle Bastos da Motta, Rafael Oliveira Werneck Barroso, Ygor Fernandes Alves
O Ginga realizou um estudo, com base nos dados do Tribunal Eleitoral, que revela o crescimento de candidaturas de tradições de matriz africana registradas em todo o país. O maior número de pessoas que se identificam religiosamente foi de evangélicos que, como em eleições anteriores, despontam como a maioria.
A metodologia do levantamento de candidaturas com "identidade religiosa", nas eleições de 2024, partiu dos nomes com referências religiosas, registrados para a urna eletrônica. A principal fonte utilizada foi a base de dados do TSE, que permitiu identificar 284 candidaturas de afrorreligiosos (3,3%), 157 de candidaturas católicas (1,8%) e 8.290 de evangélicas (94,9%) em todo o Brasil.
Para complementar a análise foi realizado um trabalho qualitativo de identificação de candidatos a partir de fotos e redes sociais, com foco no estado do Rio de Janeiro. Candidatos foram classificados com base em indumentárias religiosas visíveis em fotos e termos usados em seus nomes. As redes sociais Instagram e Facebook foram usadas para verificar a identidade religiosa em casos de dúvida. Foram identificados dessa forma mais 21 candidatos de tradições de matriz africana, expandindo a filtragem inicial do TSE do estado para 41 candidaturas associadas às tradições de matriz africana.
O período eleitoral é um momento crucial na vida política. O voto, que é visto como uma escolha individual, na realidade reflete compromissos coletivos que se formam antes das eleições, envolvendo eleitores, suas famílias e comunidades. Essa decisão vai além de partidos e candidatos, porque representa os valores que definem o que é uma "boa política" em cada contexto.
A relação entre religião e política não é novidade e precisa ser discutida. A identidade religiosa tem sido acionada na tentativa de mobilizar eleitores, mas os discursos religiosos são usados, muitas vezes, para legitimar interesses particulares ou desqualificar adversários. Nos últimos anos, a associação de políticos de perfil evangélico-pentecostal às pautas conservadoras tem se destacado, mas ela não é exclusiva desse segmento religioso. Estudos revelam que grupos católicos também se associam a essa agenda.
As candidaturas associadas às tradições de matriz africana se destacam ao apontar como os laços comunitários, criados nos terreiros, e os valores ancestrais são um ponto de partida para a defesa dos direitos civis e respondem às mobilizações contra violações de direitos sofridas por povos e comunidades tradicionais de terreiro.
A presença dessas candidaturas de religiões de matriz africana, identificadas como minorias religiosas, é importante para compreender como suas identidades influenciam a mobilização política e reforçam a conexão entre política, religião e a defesa dos direitos humanos, possibilitando uma maior visibilidade à pauta racial. As candidaturas afrorreligiosas estão presentes em quase todos os estados, com maiores concentrações em Bahia (50 candidaturas, 17,6%), São Paulo (48 candidaturas, 16,9%), Rio Grande do Sul (45 candidaturas, 15,8%) e Rio de Janeiro (41 candidaturas, 14,4%).
A maior parte das candidaturas de afrorreligiosos do RJ está concentrada na capital, com 11 candidatos, e a maioria dos religiosos (95,9%) concorre ao cargo de vereador. Apenas uma candidatura de matriz africana foi registrada para o cargo de prefeito. Em termos de escolaridade, a maior parte dos candidatos de matriz africana tem ensino médio ou superior, similar aos candidatos católicos e mais elevado que dos candidatos evangélicos.
Quanto à diversidade racial, 83% dos candidatos afrorreligiosos se identificam como pretos ou pardos. Já entre os evangélicos há uma distribuição equilibrada entre pardos, pretos e brancos. Entre os católicos, 60% dos candidatos se identificam como brancos. Em termos de gênero há uma forte predominância feminina entre os candidatos de religiões de matriz africana (63,4%), enquanto evangélicos e católicos apresentam uma maioria masculina.
A análise também revela diferenças nas afiliações partidárias dos candidatos religiosos. Candidatos evangélicos estão presentes em diversos partidos, enquanto candidatos de religiões de matriz africana tendem a se concentrar em partidos de perfil mais progressista.
Os resultados indicam que as candidaturas de lideranças de matriz africana introduzem um novo perfil ao cenário político do Rio de Janeiro. Elas se destacam por sua forte representatividade de pessoas negras (83%), sendo predominantemente de mulheres (63,4%) e pelo elevado nível de instrução, com 82,9% tendo ensino médio ou superior completo.
Ana Paula Mendes de Miranda
Doutora em Antropologia (USP); Professora da Universidade Federal Fluminense; Coordenadora do Ginga; Pesquisadora do INCT Ineac.
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