Por: Pai Sid
✅ 31/12/2024 | 07:17
Neste último texto do ano e no último dia do ano é inevitável falar dos ciclos, das passagens, das possibilidades de existência e da vida que sempre buscamos na direção da renovação. Não é incomum nessa época o sentimento de decepção conosco ou com o outro, a contabilidade em demasia das perdas de oportunidades, das despedidas ou do tempo passando de forma negativa e não como o curso de um rio, seguindo o ritmo natural junto a tudo que nos cerca.
O nosso tempo não pode ser visto mais como linear pela ótica do colonizador, mas pela circularidade do encanto daquilo que vem e retorna, mas sempre que retorna, volta diferente porque criou conexões com outros, com experiências e desafios, tropeços e vitórias.
No nosso co-existir entre espaços (dentro e fora do terreiro) vamos nos adaptando socialmente aqui, no chão sagrado e ali do lado de fora, onde a sociedade vai nos oprimindo. O convívio com o outro e com o que vem dele fora do terreiro nem sempre é simples e esse é o grande desafio: como ser amável e acolhedor dentro de um espaço ancestral e não nos colocar passíveis diante das violências do racismo religioso, por exemplo, das dificuldades diárias, das relações pessoais tão desumanizadas?
A vida vai se apresentando desafiadora nos obrigando a sermos muitos dentro de nós mesmos lidando com as várias formas de estar no mundo sem, contudo, clivar a centelha brilhante que pulsa em nós dada por n’Zambi. Quando essa centelha vai perdendo o brilho, vamos nos desencantando com nós mesmos e com a vida.
Esse desencantamento é mais nocivo que as próprias lutas diante da realidade que encontramos. Perder o encanto é perder a conexão com aquilo que nascemos pra ser, com o que viemos pra dar vida, é se afastar do centro da nossa própria nzila e da possibilidade de a partir dela vivermos o nosso eu, criarmos outras identidades, e sermos tantos outros quanto seja possível para o Mundo e nossa Comunidade. É preciso lembrar e reforçar que cada um de nós que temos que nos desdobrar em vários para seguir vivendo, temos a oportunidade de ser ainda corpo-território que nos liga com nossa origem por meio dos brados, gargalhadas e cantos daqueles que vêm habitar em nós.
Os mesmos encantados que nos enxergam como templo-território e descem no terreiro, giram e cantam, dançam e bebem para nos fazer enxergar que se encantar pela vida é tomar de volta o que nos é roubado, o que foi tomado de nosso mukulu. Nesse último dia do ano, é inevitável falar do encanto da vida que a gente só enxerga quando olha para trás sem deixar de caminhar em frente no eterno ciclo de recomeços.
É esse encantamento dos encantados que eu desejo aqui que lhe enxergue e escute, lhe dê a mão e ponha em seu olhar o brilho necessário para caminhar mais trezentos e tantos outros dias. Que o seu Encantado mostre a você que lê que é fundamental se acolher como eles fazem ao se encontrarem no terreiro, como se voltassem também eles para o início de tudo no kandandu (abraço) que une os muximas (corações), e nos mostram que embora haja a noite do tempo, onde nos tomam territórios, e tentam quebrar nosso ciclo-caminho, o encanto, esse eles não conseguem roubar.
O convite sempre que um ciclo se encerra é o mesmo, recomeçar. Quanto mais perto do chamado fim, mais perto é o início. Que esse recomeço seja encantado por nosso olhar, e nossa vontade de girar no ritmo que a vida vier!
Pai Sid
Pai Sid Soares é pai pequeno do CENSG - Centro Espírita Nossa Senhora da Guia em Volta Redonda RJ. Co-presidente da Comissão de Terreiros Mojuba, no Sul Fluminense que realiza um trabalho de fomento das políticas públicas para o povo de santo. [+ informações de Pai Sid]
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