Por: Pai Sid
27/03/2023 | 09:13
A internet é um vasto espaço para busca de respostas e até mesmo de rituais sobre isso e aquilo, de adeptos das fotos e dos vídeos, das viralizações e visualizações de tik tok, dos filhos dos likes.
E eu que fui convidado para vir aqui e em nosso primeiro contato através da escrita falar sobre a Pemba, fiquei me perguntando o que eu poderia pôr em letras que a internet já não teria dito, o que de relevante poderia trazer aqui a respeito desse elemento sagrado e mágico que era passado com as mãos abertas de maneira solene dentro dos terreiros.
A Pemba que acompanha a todos nós os “Filhos de Pemba” durante nossa vida religiosa e ancestral do primeiro ao último ritual dentro da Umbanda, pois ainda que pouco notada, é ela que estará presente do batismo ao funeral. A Pemba é o próprio sopro e fé de N’Zambi em nós para que passemos de forma plena pela estrada aberta por nossos Bacuros de Pemba até que retornemos para M’Pemba Kalunga ou a Terra dos Ancestrais. Ela está presente em tudo!
Como canta o ponto: Pemba não anda, pemba voa! Segura a Pemba que a Pemba é Boa! Ela é o próprio encantamento em si na direção do sopro da vida. Ela não está nesse ou naquele giz, nesse ou naquele tipo de argila, ela é o conjunto de tudo que nos motiva a seguir dentro daquilo a que fomos chamados a viver. Ela é o instrumento que nos foi confiado para que nossa escrita dentro da fé seja riscada.
O médium de incorporação começa seu caminho depois da entidade dar seu nome, tirar seu Ponto Cantado, Pé de Dança e finalmente o Ponto Riscado através do uso da Pemba. A gira é aberta depois de o terreiro ser cruzado com ela, e além de perfumar e harmonizar o ambiente depois de soprada, ela estará presente no cruzamento dos filhos, nas obrigações, selando espaços, demarcando territórios como mágicos ou sagrados.
O médium ainda, é aquele que junto ao seu guia ou mesmo acordado deve aprender a “Zamburar a Pemba” ou Correr a Gira, perceber através da intuição, da leitura correta e fiel o problema que o consulente traz, ou o mal que porventura esteja com ele e claro, prescrever o tratamento correto, afinal de que vale um médico que dá o diagnóstico e não apresenta uma medicação?
É com a Pemba que os guias riscam seu ponto e o caminho que cada filho seu deve andar, é com ela que somos durante toda vida educados, pois não é a Lei de Pemba ou a Lei do Santo que regula nossas ações, nossas falas, modo de ser, viver e agir em comunidade e no mundo?
Eu não poderia falar aqui sobre as cores das pembas, se elas são legítimas vindas de África ou feita desse ou daquele material.
Fiquei pensando no que muitos pais e mães escreveram, riscaram, sopraram com a Pemba que hoje, veio parar em minhas mãos. O que eu tenho feito dela, o que eu deixarei riscado, será que tenho Segurado a Pemba como deveria para manter o legado que me é confiado?
Tenho eu Zamburado a Pemba de minha própria vida, descobrindo assim minhas fortalezas e minhas dificuldades para que eu possa ser uma referência para os que me cercam, para que eu seja um ancestral digno e o meu saber não se acabe com o Luvemba?
Será que aprendemos a “Segurar a Pemba” nas dificuldades enfrentadas durante a vida, no dia-a-dia ou na convivência em comunidade para que situações que podem ser mudadas com as mãos ou evitadas, não atrapalhem um objetivo maior?
Que temos feito para evitar que “Pembas Contrárias” (ou demandas como os mais velhos diziam) invadam um espaço coletivo, religioso e compromissado com a ancestralidade e seu legado? Há várias Pembas Contrárias sendo diariamente lançadas em direção as nossas comunidades, e que ninguém se engane pensando ser obra desse ou daquele feiticeiro, desse pai ou mãe ou apenas do racismo religioso... Por vezes essas pembas chegam por nossas mãos, por nossas atitudes, por nossas omissões. São essas Pembas que me preocupam e que seguem incessantemente minando o legado dos que nos antecederam e vão nos afastando do papel social, cultural e político que deveríamos assumir.
São essas Pembas que nos fazem olvidar o legado ancestral dos povos originários, que permitem a miscelânea de pseudo ritos disfarçados de vivência, que nos fazem questionar a realidade da construção desse país sobre sangue negro e indígena, ou seguir reproduzindo falas e atitudes machistas e homofóbicas em nossas casas. Que ainda levam os preguiçosos a buscar o saber em cursos rápidos e abandonar o aprendizado diário do terreiro, matando assim os nossos mortos através do apagamento da sua memória.
São elas que nos enredam nas distrações que nos separam, nos dividem e vão embotando nosso entendimento e nossa capacidade de seguir escrevendo o que se iniciou antes de nós e que deveria seguir assim quando não estivermos mais aqui.
A Força da Pemba está em nossas mãos, e nas ações que tomamos para que em nossas comunidades a identidade, a trajetória e a memória sigam vivos em nós e para que possamos erguer sobre tudo isso um bom legado para os que virão, mas é preciso permitir que ela a Pemba, nos eduque.
“Foi Pemba que me ensinou a ler, foi Pemba que me ensinou a andar
Foi lá nas matas, no reino da Jurema, com ela eu copiei as leis de Oxalá...”
Pai Sid
Pai Sid Soares é pai pequeno do CENSG - Centro Espírita Nossa Senhora da Guia em Volta Redonda RJ. Co-presidente da Comissão de Terreiros Mojuba, no Sul Fluminense que realiza um trabalho de fomento das políticas públicas para o povo de santo. [+ informações de Pai Sid]
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