Por: Adriano Cabral
17/07/2024 | 16:50
A Filosofia da Religião se dedica ao estudo racional e crítico dos aspectos religiosos e teológicos, buscando compreender as crenças, práticas e conceitos das diferentes tradições religiosas. Ao longo da história, diversos pensadores contribuíram significativamente para o desenvolvimento desta área de estudo, trazendo insights profundos e questionamentos fundamentais sobre a natureza da fé, da divindade e da relação entre o ser humano e o transcendente. Neste artigo, faremos uma breve análise dos principais pensadores que moldaram a Filosofia da Religião e entender um pouco sobre da relação crítica entre a filosofia e a religião.
O primeiro teórico de nossa explanação é Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Considerado o pai da Filosofia da Religião moderna, Friedrich Schleiermacher foi um teólogo e filósofo alemão que revolucionou a maneira como a religião era abordada no pensamento ocidental. Em sua obra "Sobre a Religião: Discursos aos Educados Entre Seus Desprezadores", ele propôs uma abordagem da religião baseada na experiência de ligação com o divino, destacando a importância do sentimento religioso e da consciência de dependência de algo maior.
Em seguida, temos Rudolf Otto (1869-1937). Foi um filósofo da religião alemão que explorou a dimensão do sagrado e do numinoso nas experiências religiosas. Em sua obra seminal, "O Sagrado", ele descreveu a experiência do "mysterium tremendum et fascinans" como um encontro com o divino que transcende a razão e provoca um sentimento de temor reverencial e fascínio. Otto influenciou profundamente a compreensão da religião como uma experiência emocional e transcendental.
Estes são apenas dois de muitos dos pensadores que contribuíram significativamente para a Filosofia da Religião ao longo da história. Suas ideias e reflexões continuam a inspirar debates e investigações sobre as questões fundamentais da existência humana, da fé e da religiosidade. Através do estudo e da análise crítica desses pensadores, podemos ampliar nossa compreensão da diversidade e complexidade das experiências religiosas e da busca pelo transcendente. Mas, em um artigo que fala sobre Filosofia e religião apresentado a um público de Matriz Africana, não poderíamos deixar de expressar os filósofos do Continente mais antigo do mundo. A filosofia africana carrega consigo uma riqueza e diversidade de pensamentos que muitas vezes são negligenciados ou subestimados. Com uma história milenar e uma vasta gama de tradições filosóficas, o continente africano tem sido lar de grandes pensadores que fizeram contribuições significativas para o campo da filosofia.
Em primeira instancia, temos Kwame Nkrumah (1909-1972). Foi um filósofo e político ganense que desempenhou um papel fundamental na luta pela independência de Gana e no movimento de descolonização da África. Ele é conhecido por popularizar o conceito de "consciência africana" e promover a ideia de unidade e solidariedade entre os povos africanos. Sua filosofia política enfatizava a autodeterminação, a soberania e a igualdade entre as nações africanas, influenciando grandemente o pensamento pós-colonial na África.
Logo temos, Cheikh Anta Diop (1923-1986), um renomado historiador, antropólogo e filósofo senegalês, que é conhecido por sua defesa da autenticidade, originalidade e contribuição da civilização africana para a humanidade. Diop desafiou as narrativas eurocêntricas que retratavam a África como uma terra sem história ou cultura, e defendeu a importância de reafirmar a identidade e o legado africanos. Sua obra influente abordou temas como a egiptologia, a negritude e a teoria da civilização africana.
Assim como temos Frantz Fanon (1925-1961) que foi um filósofo, psiquiatra e revolucionário martinicano que desempenhou um papel significativo no movimento de libertação nacional em países africanos colonizados. Sua obra mais conhecida, "Os Condenados da Terra", analisa as dinâmicas do colonialismo e propõe uma reflexão sobre a descolonização e a construção de novas identidades pós-coloniais. Fanon destacou a importância da consciência e da ação política na luta por justiça e dignidade para os povos colonizados.
E, por último, temos, Ifi Amadiume (nascida em 1947) que é uma filósofa nigeriana cujo trabalho tem sido fundamental para ampliar o entendimento da filosofia africana, em particular no que diz respeito aos papéis de gênero e às relações sociais nas sociedades africanas. Sua crítica às interpretações eurocêntricas e patriarcais da cultura africana tem sido um marco no debate filosófico contemporâneo, desafiando estereótipos e promovendo uma abordagem mais inclusiva e diversa da filosofia africana.
Estes são apenas alguns exemplos dos muitos filósofos e filósofas africanos cujas contribuições têm enriquecido o campo da filosofia e ampliado nossa compreensão do mundo. Suas ideias e legados continuam a inspirar novas gerações de pensadores e a desafiar conceitos estabelecidos, demonstrando a importância de reconhecer e valorizar a diversidade filosófica e intelectual do continente africano. Ao pesquisar sobre nossas raízes, nunca imaginamos a importância que há em preservar e estudar os pensadores que geraram, lutaram ou, ainda, lutam pela construção do saber que chamamos de MATRIZ. Não se tem referências de MATRIZ quando não se estuda sobre o berço civilizatório do mundo ou o berço das religiões afro-brasileiras e a construção dos seus “modus” de pensar e construir a sociedade. As religiões de matriz africana englobam um conjunto diversificado de crenças, práticas, filosofias e tradições espirituais que se originaram em diferentes regiões do continente africano. Estas religiões possuem uma profunda conexão com a natureza, os ancestrais e os ciclos da vida, apresentando uma riqueza filosófica que muitas vezes é subestimada ou mal compreendida.
Uma das filosofias características fundamentais das religiões de matriz africana é a concepção de um universo interligado, onde todos os seres vivos e elementos da natureza estão intrinsecamente ligados e em constante interação. Essa cosmovisão holística enfatiza a importância do equilíbrio e da harmonia, da reciprocidade e do respeito mútuo entre todos os seres.
Além disso, as religiões de matriz africana valorizam profundamente a ancestralidade e a memória coletiva, reconhecendo a importância dos antepassados na transmissão de conhecimentos, valores e tradições. Os rituais e práticas religiosas frequentemente são direcionados para honrar e se conectar com os espíritos dos ancestrais, buscando orientação, proteção e sabedoria para as questões do presente.
Outro aspecto marcante das religiões de matriz africana é a diversidade de energias que são reverenciadas, cada uma representando aspectos específicos da natureza, da humanidade e do divino. E o entendimento de que o ser humano é parte fundamental do corpo místico divino e o Ori é a ligação perfeita entre o mundo físico e metafísico é a mais complexa filosofia existencial que perpassa por gerações há séculos sem serem ensinadas em escolas de alta filosofia.
Essas energias ou manifestações energéticas são frequentemente personificadas em histórias mitológicas que transmitem ensinamentos filosóficos e espirituais, servindo como guias e modelos para a vida humana.
No que diz respeito à ética e moralidade, as religiões de matriz africana geralmente enfatizam valores como a justiça, a solidariedade, o respeito à vida e à diversidade, a partilha e a comunidade. O conceito de Ubuntu, presente em várias culturas africanas, expressa a ideia de que a nossa própria humanidade é inseparável da humanidade dos outros, enfatizando a interdependência e a responsabilidade mútua. É importante reconhecer que as religiões de matriz africana têm sido historicamente marginalizadas e estigmatizadas, sofrendo com a discriminação e a intolerância. No entanto, nos últimos anos tem havido um movimento de resgate e valorização dessas tradições espirituais, buscando reafirmar a sua importância cultural, filosófica e social.
Em suma, a filosofia das religiões de matriz africana nos convida a refletir sobre a interconexão de todas as formas de vida, a importância do respeito aos ancestrais e à natureza, a diversidade e pluralidade e a ética da solidariedade e da partilha. São sabedorias ancestrais que nos convidam a cultivar uma relação mais profunda e respeitosa com o mundo à nossa volta, buscando a harmonia e o equilíbrio em nossas vidas e comunidades
Adriano Cabral
Dr. h. c. Luiz Adriano Santos Cabral (Adriano Cabral) é filósofo formado pela UCP Petrópolis; MBA em Administração Pública; Pós graduado em docência de Filosofia e Teologia; Primeiro secretário da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa da OAB 22° Subseção Magé/ Guapimirim... [+ informações de Adriano Cabral]
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