Por: Renato Mendonça
21/03/2023 | 14:00
“Jongueiro vai, jongueiro vem, jongueiro está aqui agora, quem é jongueiro da Serrinha, finca tenda e está aqui e agora”.
O Jongo é uma manifestação artística-cultural africana em diáspora no Brasil, concentrado territorialmente no Sudeste, e tem no rio Paraíba do Sul e em seus afluentes os elementos da Natureza que alimentam muitos territórios jongueiros. Geograficamente distante do Vale do Paraíba, mas historicamente conectado, se encontra o Morro da Serrinha, que concentra narrativas de inúmeras famílias jongueiras.
E as famílias chegavam de vários lugares, a maioria do estado do Rio: Engenheiro Passos, Valença, Paraíba do Sul, Três Rios. Tinha gente de todo lugar. Até de Minas Gerais e outros estados. Algumas famílias vieram de fazendas de estado tão próximas que a sensação hoje era de que já se conheciam de lá, que já eram amigos ou parentes antes da chegada. (Lazir Sinval, p. 107)
O complexo da Serrinha é uma comunidade da Zona Norte do Rio de Janeiro, no bairro de Madureira, que reforça seus laços sociais e territoriais através do samba, do jongo, do funk, da capoeira e de outras formas de se escrever no espaço e para além dele. O imaginário cultural da comunidade também é manifestado através de grandes nomes que estão nas placas das ruas, nos títulos das escolas e nas imagens estampadas nos muros. Entre estes nomes estão Vovó Maria Joana, Mestre Darcy do Jongo, Mano Décio da Viola, Tia Eulália, Silas de Oliveira e Tia Maria do Jongo. A construção paisagística do local acontece em total consonância com a sua construção histórica, e em total acordo com as batidas, palmas, pisadas e palavras que declaram o quão vivas são as raízes ancestrais da diáspora africana presente na Serrinha.
O fato de estar há 18 anos junto ao Grupo Cultural Jongo da Serrinha (GCJS), faz de mim uma pequena parte de um complexo não somente geográfico, mas de saberes e afetos. E atualmente celebramos os 60 anos do grupo, o lançamento do livro Conversa de Quintal – 60 anos do Jongo da Serrinha, marca o acúmulo de inúmeras histórias de famílias migrantes para o Rio de Janeiro e construtoras de rede que ecoa som de tambores. A obra que conta com a condução das líderes Lazir Sinval e Deli Monteiro (atual matriarca do grupo) apresenta as lembranças presentificadas em torno das figuras históricas já supracitadas. O terreiro Cabana de Xangô, comandado por Vovó Maria Joana, até seu falecimento em fevereiro de 1986, é apresentado como o local do surgimento do grupo e de fortalecimento da religiosidade da Umbanda e do Candomblé junto à comunidade.
Nos anos de 1984, Edir Gandra promove suas investigações no interior da comunidade da Serrinha, tendo como base os relatos da família Monteiro (Maria Joana, Eva e Darcy) e lança o livro intitulado: Jongo da Serrinha: do terreiro aos palcos, com a preocupação de investigar as transformações no repertório musical do grupo na realização de espetáculos e compreender sua função artística e social. Aproximadamente 40 anos depois estreamos em novembro de 2022, o espetáculo Jongo da Serrinha 60 anos no espaço da Fundição Progresso, no Centro do Rio de Janeiro, com a proposta estética de elaborar um terreiro no interior do palco, de rememorar o que nunca foi esquecido: a magia e o encantamento do Jongo. Entre pontos e ladainhas, de Exu à Oxalá a reafirmação de que a expressão artística do Jongo, não é uma religião, mas se alicerça sobre aspectos das religiosidades negras.
Tenho aprendido que há uma pedagogia jongueira que comprova o valor do respeito a ancestralidade, as relações horizontais e consequentemente circulares, a roda do jongo concentra energia harmonizada ao som dos tambores, homenageia o equilíbrio do feminino e masculino no centro e no ápice da umbigada, demanda poeticamente, preparando os negros corpos para os enfrentamentos do dia-dia.
Na Serrinha, a linguagem do espetáculo é a tradição do grupo, as crianças aprendem o jongo na comunidade através desta cultura estética. Por isso nós vestimos branco, verde, estampas coloridas, brilhos e colares. São cores e adornos que nos aproximam das inúmeras Áfricas historicamente negadas. Também por isso defumamos e rezamos, pedimos proteção, pois acima de qualquer tipo de religião há na pessoa jongueira a espiritualidade e a relação sincera e orgânica com o espírito, fazendo que as folhas dos quintais de nossas casas façam parte das cenas dos nossos espetáculos.
Mas sobre a importância das casas de dos quintais na construção do Jongo na Serrinha, conversamos em uma próxima e breve oportunidade.
https://benfeitoria.com/projeto/casadojongo
REFERÊNCIAS:
BARRETO da SILVA, Renato; OLIVEIRA, M. Literatura Dança e Criança: Por uma Ação Interdisciplinar. In: Paulo Vinicius Baptista da Silva; Nathalia Savione Machado; Neli Gomes da Rocha. (Org.). Literatura Dança e Criança: Por uma Ação Interdisciplinar. 1ed.Curitiba:, 2020, v. , p. 408-415.
GANDRA, Edir. Jongo da Serrinha: do terreiro aos palcos. Rio de Janeiro: GGE: UNI-RIO, 1995.
SINVAL, Lazir e MONTEIRO, Deli. Conversas de quintal: 60 anos do Jongo da Serrinha.-1.ed- Rio de Janiero: Associação Grupo Cultural Jongo da Serrinha, 2022.
SINVAL, Lazir. Serrinha da Almas. Disponível em: https://www.youtube.com/results?search_query=lazir+sinval+serrinha+das+almas . Acessado: 10/03/2023.
Renato Mendonça Barreto da Silva
Atualmente é bailarino intérprete do Grupo Cultural Jongo da Serrinha (2009). Professor Dr. do Departamento de Arte Corporal, UFRJ, Brasil (2010). Mestre (2011) e Doutor (2017) em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2011). Bacharel em Educação Física pela mesma instituição (2007).
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