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Maio é o mês dedicado aos Pretos Velhos

  • Foto do escritor: WR Express
    WR Express
  • 13 de mai. de 2024
  • 4 min de leitura

Por: Pai Sid



13/05/2024 | 10:03


Maio é o mês dedicado aos Pretos Velhos, quando vários terreiros, não só de Umbanda, abrem as portas, preparam a feijoada e cultuam os ancestrais que nos reforça sobre a importância da legitimação da identidade, re-existência e pertença das manifestações culturais e das religiões afro-brasileiras. Preto velho na figura do vovô dança abaixadinho no terreiro para que fora dele possamos caminhar com altivez, com a certeza da raiz que nos sustenta e do quanto ainda temos que lutar para quebrar os constantes grilhões que nos cercam.



É na figura de Rei Congo, Pai Çambique, Pai Benedito, Pai João e Pai Joaquim, do velho Serapião, e tantos outros que aprendemos numa única gira, se nosso camutuê e nosso muxima estiverem abertos para isso, a viver com fé no trabalho, em nós mesmos, na comunidade e ainda na festa, na alegria. É nesse mês que a gente vira neto de todos eles, e todos se tornam nossos avós ou nossos pais.


Porém, ainda que seja uma data festiva, o vovô estará lá, sentado aconselhando e rezando, dizendo muitas vezes de maneira silenciosa: “Paciência, eu abri o caminho até aqui, os desafios vão continuar mas evite aqueles nos quais eu tropecei. Eu te conheço, e os que vieram antes e depois de mim também, até chegarmos aqui em você, nós te conhecemos e prepararamos ancestralmente a estrada. Não pare!”


Os desafios e as violências vividas pelos nossos ancestrais ainda reverberam sobre nós, ainda são impostas aos nossos e é nesse encontro dentro dos terreiros que algo é desfeito, algo é transformado na possibilidade de reconstrução do que foi tomado, do que nascemos para ser. No nosso país os meninos pretos são quase que obrigados a se tornarem homens, são vistos como potencial ameaça desde sempre e é no terreiro que surge a possibilidade da infância acontecer sob o olhar de uma comunidade inteira. É também através do que se aprende no terreiro que é possível a compreensão de uma masculinidade perversamente adoecida por conta da desumanização dos avós dos nossos avós e da transformação dela. Daí a importância de afinar nossas vozes e nossas existências pelo olhar e pela força dos minkisi ou dos orixás masculinos, é através deles que aprendemos a ser filhos e pais, assimilando a força e sabedoria ancestral de cada um naquilo que viemos fazer por aqui.


Ter nos terreiros a oportunidade de celebrar os espíritos dos nossos mortos sabendo-os vivos, celebrar a família dentro da família, não é só refazer vínculos ancestrais, mas sobretudo, vínculos de afeto, algo também presente neste mês. Maio também é quando celebramos as mães, a Flor de Maio, a mamãe Oxum, é o mês do coração. Ter essas duas datas tão importantes e celebrar o colo tão necessário seja na toalha do preto velho, ou no manto de Oxum me faz pensar na importância da amorosidade que os terreiros ofertam diariamente e que é indispensável para quem pisa em uma comunidade tradicional e ainda mais para os homens que fazem parte delas.


Essa amorosidade não é a impassibilidade, mas a união dela junto do equilíbrio e da serenidade em oposição a violência que vemos e reproduzimos constantemente seja com ações ou palavras. Como nós homens estamos cuidando de nossos corações? Temos com ele o mesmo cuidado que temos com nosso camutuê? Poder esvaziar o muxima daquilo que já não faz mais sentido ou que não é bom é cuidar dele ou permitir ser cuidado para que entre ele e nosso camutuê flua o que sustenta o nosso existir em plenitude.


Ampliar a ótica do afeto dentro dos terreiros e se permitir ser afetado pela amorosidade das iyabás não é abrir mão da força ou das boas batalhas, mas é aprender a dosar a luta com o cuidado, é o caminho dentro das comunidades tradicionais para um muxima saudável, morada Zambi e que pode ser refletido por cada homem dentro de suas famílias, em suas relações sociais e com o todo.


Falar desse afeto no mês de Maio é falar do Dengo, essa palavra que acostumamos associar a manha ou choro e que foi retirada da rotina das nossas falas. Mas ainda que fosse esse o significado, qual seria o mal em chorar no colo daqueles que sabiam da minha existência antes mesmo dela ser?


Dengo tem suas origens no Kimbundo ndengue (criança / infância), mas ainda no Kicongo onde o sentido é maior e acredito eu, sustenta a força que os bantus davam a importância das palavras, significando pedido de aconchego, de colo quando estamos cansados.


Se na nossa filosofia, uma existência só acontece por meio de outras existências, quem de nós não quer, precisa ou espera um acolhimento, um colo ou uma escuta que seja? Quem de nós, ainda que por conta da correria não perceba, espera encontrar os seus quando abre a porta e entra em casa? Se cantamos nos terreiros para os que amamos (nossos ancestrais), para que estejam conosco novamente, quem canta para nós, para quem estamos cantando?


O dengo é o que nos falta no dia a dia e que forçadamente pela trajetória violenta a que fomos sujeitos, reduzimos a palavras e ações vazias de essência ou carregadas de dores que ocupam nosso camutuê e evitamos enxergar. Os laços de afetividade são expressos e ensinados cotidianamente em nossas casas e têm seu ápice quando nos reunimos ao som dos tambores para que os ancestrais possam estar novamente entre nós oferecendo não apenas sua força, mas também a oportunidade de saber que minha estadia temporária até a travessia para a terra do outro lado do mar, foi oportunizada pela afetividade construída e mantida pelos meus mortos e não somente por meio de lutas e dores.


No mês do Preto Velho e das Mães a minha reza é para que nós meninos e homens, tenhamos a oportunidade de dançar abaixadinho com as vovós, saravando com Mãe Joana, Vó Cambinda, Vovó Maria Conga... que todas possam ser verdadeiramente nossas avós e nossas mães. Rezo para que nossos muximas possam ser abençoados pela toalha de cada uma delas e que nossos camutuês sejam cobertos pelo manto de Oxum, afinal qual homem não foi criança, e qual criança ou homem não precisa de uma mãe?


Corações não podem ser emprestados. Proverbio Africano




Pai Sid - AxéNews

Pai Sid

Pai Sid Soares é pai pequeno do CENSG - Centro Espírita Nossa Senhora da Guia em Volta Redonda RJ. Co-presidente da Comissão de Terreiros Mojuba, no Sul Fluminense que realiza um trabalho de fomento das políticas públicas para o povo de santo. [+ informações de Pai Sid]



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