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Marcha para exu ou a marcha dos influencers

Por: Joana Bahia

Foto: Bruno Santos | FolhaPress

22/08/2024 | 12:06


Na segunda marcha para Exu, a Avenida Paulista foi invadida por umbandistas e quimbandeiros, segundo a previsão da defesa civil foram 150 mil manifestantes. Havia pouca gente de candomblé, porém havia alguns grupos fazendo o ritual do sabeje 1 e dando banhos de pipoca a quem contribuísse com o rito.



Muitas coisas me chamaram atenção na marcha, assim como observando a ocupação das religiões afro no espaço público de uma forma geral, em especial, na interrelação entre o ambiente virtual e no off line, pois ambas estão relacionadas.


Exu e a Pomba gira cresceram nas redes, não apenas após pandemia, mas ao menos uma década. Cada dia que passa, são de 5 a 10 postagens, dependendo do site. Muitos usam o humor para regular as regras dos seus próprios cultos, e outros se baseiam no humor para lidar com a intolerância religiosa. 


Não me parece que seja apenas offline, mas no online, Exu expandiu, e com ele a pomba gira. Não tenho como quantificar o crescimento pelo último dado do IBGE, o que farei em breve. Me baseio na pesquisa financiada pela Faperj e pela Uerj que faço sobre as redes afro religiosas on line desde 2022, observando o crescimento desses grupos no Instagram e Tik Tok, you tube e outros.


Mestre quimbandeiro Jonan leva o bode para a paulista!



O que me chama atenção é que é a marcha de Exu é também a marcha dos influencers, é esse vai e vem do “on line e off line” diz muito sobre isso. Os influencers são mais jovens, alguns entre 30/40, filmam, dão entrevistas, tem podcasts, estudam, postam no tik Tok e tem redes no Instagram. Estão atuando em santuários, possuem negócios e mobilizam muita gente online. 


Uns dão receitas e falam de alguns feitiços on line como @mestrejonan2, outros dão recados de suas entidades com uma fala dirigida ao público que os assistem como caso da @karoldafarrapo (quimbanda, umbanda e jurema), @filhadasete_ofc (kassia de Oya do @temploseteencruzilhadas) e da @mctrans, que sua Maria navalha é embaixatriz do santuário nacional do Zé Pelintra no Rio de Janeiro juntamente com @thiagocavalvanteoficial. Temos @guerreiros da jurema, @pmc.da.umbanda, @dayiyalode estavam no carro dos influencers e/ou tirando selfies com os fãs. Essa ultima tem canal no Instagram e Tiktok que fala das consultas, recados das pombas giras, das cartas e de exu e aborda como parte de alguns deles do cotidiano do terreiro, das características das entidades e do modo como lidar com elas.


@joanadbahia e @thiagocavalvanteoficial


Cantores como @guideiemanja, que cantou os pontos no carro de som, Cae Lopes @cantodaumbanda (médium, cantos, compositor)2, @samanthamachado e @ellenmotta, @pele.milflows e outros artistas presentes que são afro religiosos. Cabe lembrar que o crescimento on line demanda uma série de trocas no off line que retroalimenta os influencers. O carisma dá trabalho, todos tem que ser fotografados e fotografarem, estão fora do terreiro, mas precisam da agência espiritual para se legitimarem e construírem seus caminhos espirituais. Cada influenciador tem uma linguagem própria, padrões estéticos, memes e piadas internas. Cada um cria um “jeitao”que o identifica e que agrega audiencia em torno dele. Muitas vezes o conteudo pode ser importante, mas o personagem que o agrega trasmite com mais forca ideias e valores.


Neste sentido esses religiosos ao produzirem conteúdo midiático, filmes, músicas, vídeos, programas televisivos, sites, marchas entre outros, não criam um conteúdo estático, mas sim se colocam em um processo dinâmico de produção e de reinvenção de seus próprios conteúdos religiosos, assim como de seu lugar na esfera pública.


Esses influencers não são maiores do que os cursos de umbanda online, que de modo geral, quem está à frente em termos de adesões digitais é o umbandista Alan Barbieri com a casa de lei, seguido por Alexandre Cumino, e a umbanda EAD do Rodrigo Queiroz. Estes arrebanham muita gente no online, e no offline_ com possibilidades de expansão transnacional _por conta de ser em rede, pois a busca de pessoas de outras países é notória. O site umbanda boa também tem crescido bastante. Toda essa concentração midiática bem centralizada em São Paulo, também agrega líderes religiosos situados no Rio de Janeiro e na Bahia. No caso da marcha há uma colaboração entre Rio e São Paulo.


A marcha para Exu é um pouco o fruto desse crescimento online, e de como seu organizador Jonathan Pires tem expandido, registrando as suas plataformas de conteúdo e marcas como Jonathan Pires, Maria Padilha, Marcha para Exu e ainda Pérolas da macumba. Além de registrar esses domínios sob sua autoria, também registrou a marcha junto as autoridades de São Paulo.


A ideia da marcha é bastante controversa e tem sido criticada por vários segmentos da umbanda, desde 2023. O seu organizador é considerado um apoiador de Bolsonaro, e na primeira edição ainda teve a participação de outro apoiador, o capitão André da Silva Rosa, capitão da PM que comandou pelotões da Rota, em São Paulo3. Ele nega envolvimento político assim como proibi que a marcha tenha manifestações políticas. Afirma que pretende afastar a imagem de diabo associada a Exu, porém é criticado por parafrasear um slogan usado pelos cristãos. Em 2023, o coletivo Umbanda de verdade e mais recentemente o @pensarmacumba (instagram) e o emancipa Axé publicaram textos contrários a marcha. Estes últimos alegam que marchar não resolve o problema da intolerância religiosa, e que mesma é organizada sem envolver coletivos negros e afro religiosos que tratam disso no país.



Resposta de Jonathan as postagens:



A marcha é bem-organizada, e não tem interferência, e nem nenhum tipo de evangelização no seu entorno, o que eu achei raro, mas bastante positivo. Havia uma alegria no ar, e muita gente estava orgulhosa de mostrar a sua umbanda, a sua quimbanda e performar suas entidades. Havia um clima de festa e de tirar fotos com seus ídolos com aqueles que veem na internet. Todos arrumados e felizes com os seus exus e pombagiras performando numa das avenidas mais importantes do país. Mostrando que a pomba gira pode se deitar nas encruzilhadas da Paulista. Muitos umbandistas com seus terreiros e irmãos de santo andando em grupos, com camiseta do terreiro e outros com a camiseta da marcha vendida na loja Chetuá pertencente ao organizador da marcha.


Muitos performatizavam o seu espiritual numa alegria genuína, liam mãos, flertavam, sorriam e solicitavam que fossem fotografados muitos em selfies com a antropóloga, autora desse texto. Muitos apenas aprovaram com olhar, no caso do espiritual quimbandeiro, seus exus não tão faladores como aqueles da umbanda. Outros apenas olhavam para o meu lado como se quisessem dizer alguma coisa com a presença espiritual da antropóloga. Outros eles pediram que além das flores no cabelo, eu levasse uma saia rodada na próxima marcha. A interação era extremamente positiva, e a energia era alta, em alguns momentos, havia não apenas a performance mais um limite tênue de um corpo espiritual, mais próximo do transe.


Quem comanda a marcha na rua é a Maria Padilha, seguida do seu Tranca Rua, e da dona Maria Mulambo. Todos muito bem alimentados, vestidos e com suas bebidas em seus carros na Avenida Paulista. O cuidado leva uma certa antecedência, e um certo planejamento. Parte desse planejamento é filmado pelo próprio Jonathan Pires, e postado no seu Instagram.



Os convites e o cuidado do que fazer ou não na Paulista é falado antes do evento, mas principalmente a recomendação de não falar em política. A questão política advém das controvérsias entre segmentos de outros grupos afro-religiosos inseridos em movimentos sociais que afirmam que Jonathan apoia Bolsonaro. Na marcha do ano passado, 1ª edição do evento, houve acusações de um lado e de outro, sendo que Jonathan não nomeia seus detratores, apenas fala que não vai falar de política. Que tudo é estritamente religioso. E eu me pergunto onde que o não político, aparentemente não politizado, não pode produzir um tipo de carisma que renda uma politização no futuro? O que parece e que não é, mas que pode dar brechas a ser o que não aparenta. Esse jogo visível invisível, é bem interessante porque lembra as próprias tramas de Exu.


As reportagens feitas pela grande mídia são bem pobres, mesmo as mais politizadas como a mídia ninja, e pouco se sabe da origem familiar e espiritual do Jonathan. Alguns indícios estão nas postagens que faz. Ele se declara umbandista e apresenta o seu desenvolvimento material a partir das benesses dos seus cuidados com espiritual. Sua loja, carros e riqueza veio de Oxóssi, e de seu amor aos exus e pomba giras. Os bens que ostenta são frutos dessa espiritualidade que dá caminho e como ele mesmo repeti em milhões de postagens, como marca registrada, num marketing religioso: “que nunca foi sorte, sempre foi macumba”. Palavra macumba ganha poder, dinheiro, bens e uma vida própria parecida com os bens simbólicos de muitas igrejas e religiosidades que tratam o econômico como parte fundamental da vida moderna. Há campanhas de doações, carrões, e um cuidado com o espiritual que é aquele que flerta com a realidade popular.  Atrai figuras e causos populares, e influencers como ele. O mesmo bordão virou camiseta, boné e marca.


A Paulista se abre a Exu e ele fecha a Paulista com seus praticantes, simpatizantes e com parte da comunidade lgbtqi +,  que está engajada com seu espiritual, mas não necessariamente dentro de movimentos sociais. 


Há muita coisa acontecendo nesse campo, a marcha é um momento em que muitas questões nos põem para pensar: espaço público afro digital, as economias simbólicas e um certo marketing do sagrado em sentido mais complexificado, a juventude que quer estar à frente também do cenário religioso, politização da marcha por diferentes grupos e segmentos, proximidades nos usos digitais com outras religiões e segmentos religiosos, o transe on line, e múltiplas agencias que transcendem o espaço da marcha, mas que na mesma se expressam.




1 Em especial por ser o mês de agosto dedicado a Obaluaie no candomblé, é comum a presença de filhos de santo que iriam fazer obrigações no referido mês. Sabejé (sabejé corô umnlá, orô umnlá) é realizado antes do Olubajé (festa em homenagem a Obaluaie), era preciso “pedir esmola” em nome do orixá, preceito que indica amor e respeito ao orixá. Um filho de santo sai nas ruas com um balaio contendo as flores da cura de Omolu (deburu/pipoca — muitas vezes feitas com areia da praia), qualquer pessoa pode colocar uma contribuição em dinheiro como agradecimento pela vida e, pode pegar um punhado de pipoca para comer ou jogar sobre o próprio corpo. O que está em jogo não é o que se deposita em dinheiro, mas o que se troca. É Omolu na rua e demonstração de devoção e cura.

E ainda dia 16 de agosto é comemorado o dia de São Láza­ro. São Lázaro e São Roque possuem seus territórios associados a Obaluaiê. As diversidades de representações e interpretações de Obaluaiê e São Lázaro/ São Roque guardam vários aspectos.

2 Autor de mais de 700 pontos.



Joana Bahia - AxéNews

Joana Bahia

Professora titular da UERJ. Coordenadora do Nuer (Núcleo de estudos da religião). Autora do livro O Rio de Iemanjá: um olhar sobre a cidade e a devoção, publicado pela editora telha em  2023 e vários artigos sobre religiões afro brasileiras, em especial Omoloco, umbanda, candomblés, Iemanjá e expansão das religiões afro brasileiras no mundo... [+ informações de Joana Bahia]


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1 Comment


Josue Nascimento
Josue Nascimento
Aug 22

Não acredito na não politização desse tipo de movimento! O tempo dirá o que virá. Os entes sociais envolvidos, em algum momento, pode invocar a dita Marcha como slogan de uma candidatura. Foi assim no passado em outros seguimentos religiosos que tem suas marchas e elegeram ao longo dos anos, alguns de seus representantes ao parlamento, quer municipal, estadual ou federal.

Aqui sito em particular, no Rio de Janeiros, os "Nunes", que já estão na segunda geração de políticos, este em particular, levantou bandeiras nunca dantes levantadas e foi favorecido pela "bandeira". Sou macaco velho e não coloco a mão em cambuca!

Fica a dica!!!

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