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Nova ferramenta digital para a implementação da lei 10.639/2003

Por: Mariana Bracks



31/03/2024 | 09:38


A lei 10.639/2003 é o grande marco da transformação da educação brasileira, ao tornar obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira. Fruto de décadas de mobilização dos Movimentos Negros, a lei é uma grande conquista para a superação do racismo e afirmação da identidade negra no Brasil.




Contudo passados mais de vinte anos após sua promulgação, notamos que poucas escolas e secretarias de educação implementam efetivamente o ensino da temática. Quando muito, a maioria das escolas dedica uma semana no mês de novembro, em alusão ao Dia da Consciência Negra, com atividades lúdicas como capoeira, desfile da beleza negra, oficinas de tranças, como se isso fosse suficiente para abarcar toda a contribuição dos africanos e seus descendentes na História do Brasil.


A História do Brasil não pode ser mais separada da História da Cultura Negra. É fundamental que se discuta durante todo o processo educativo, em todas as temporalidades, as agências de pessoas negras. Como ensinar História do Brasil Colônia sem falar das lutas dos quilombos- que não se reduzem a Palmares? Como pensar o Brasil Império sem discutir as inúmeras rebeliões negras, como a Revolta dos Malês de 1835? Como discutir Brasil República sem discutir a repressão institucionalizada às culturas negras (como a criminalização da prática da capoeira no código penal de 1890, no artigo 402.) ou sem refletir sobre a Revolta da Chibata, por exemplo?


Fato é que a História ensinada nas escolas brasileiras ainda é baseada no protagonismo de homens brancos, sendo os sujeitos negros e indígenas apenas algumas páginas em anexo, colocadas isoladamente em datas celebrativas e ainda pouco reflexivas.


A justificativa mais comum para a negligência ao ensino da cultura negra é a ausência de materiais didáticos específicos. Pensando em resolver este problema, uma equipe de professores e pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe organizou o site Kizomba dos Saberes: o portal da cultura afro-sergipana. Lançado no último dia 21 de março, dia de combate ao racismo (declarado pela ONU em 1966) e desde o ano passado também Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, o site educativo traz para informações sobre a história de diversas expressões culturais afro do estado de Sergipe e mais de cem atividades didático pedagógicas para o professor baixar em PDF e levar para as salas de aula. O objetivo é que a cultura negra seja ensinada durante todo o ano letivo, nas mais diversas disciplinas, conforme preconiza o parecer do Conselho Nacional de Educação de 10 de março de 2004, assinado pela relatora Petronilha (veja em: cnecp_003.pdf (mec.gov.br).


O site é uma ferramenta educativa inédita e inovadora por trazer em atividades didáticas, questões, planos de aula, agregando múltiplas linguagens e mídias, como vídeos, músicas, imagens. A partir das vozes e corpos dos mestres e mestras da cultura negra, as questões discutem importantes aspectos da História do Brasil e a longa resistência da população negra.


Também no site Kizomba dos Saberes há um “calendafro”, com as datas e locais das principais festividades negras de Sergipe, para que todos possam conhecer de fato as celebrações e sobretudo as escolas possam agendar visitas pedagógicas vivenciando na prática os valores civilizatórios ensinados durantes as festas. Há também uma “Afropédia”, que busca escrever biografias de pessoas negras importantes para a história do estado, ainda majoritariamente ignorados pelos livros de história. Esta seção ainda está em construção e está aberta a contribuições.


Kizomba é uma palavra da língua Kimbundo- falada em Angola- que significa união, festa, confraternização. Nas sociedades tradicionais africanas, de forma geral, o ensinar e aprender é permeado por músicas, danças e pela união comunitária. São estes elementos educativos que são apresentados aos professores da educação básica para a implementação da lei 10.639/2003, para que as culturas negras sejam ensinadas nas escolas a partir das vozes e entendimentos de seus praticantes, a partir da corporalidade, dos versos, das performances elaboradas pelos africanos e seus descendentes.


Iniciativas como esta comprovam que é possível a transformação do ensino e do etendimento das contribuições negras na História do Brasil, superando o “eterno estudo sobre o escravo. Como se nós só tivéssemos existido dentro da nação como mão de obra escrava, como mão de obra para fazenda e para mineração”, como criticou Maria Beatriz Nascimento (Uma história escrita por mãos negras, Zahar, 2021, p.6). Acessem o site www.kizombadosaberes.com.br




Mariana Bracks - AxéNews

Mariana Bracks

Mariana Bracks Fonseca é  professora de História da África e História da Cultura Afro-brasileira na Universidade Federal de Sergipe. É mestre e doutora em História social pela USP, com estágio pós-doutoral na UFMG e na Université Assane Seck de Ziguinchor (Senegal)... [+ informações de Mariana Bracks]


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