Por: Gisele Rose
01/07/2024 | 17:52
O futuro é ancestral e a humanidade precisa aprender com ele a pisar suavemente na Terra.
Ailton Krenak
Nos últimos dias revisitei alguns textos e livros do pensador Ailton Krenak para elaborar alguns materiais que serão utilizados em sala de aula.
Nesta travessia tive o prazer de ler sua afirmação de que: “o futuro é ancestral”. Essa flecha lançada por Ailton me atravessou de uma forma avassaladora. Sua forma simples, porém, erudita de vislumbrar um giro epistêmico nas nossas existências. A forma encantada com que ele nos afeta a voltarmos para tudo aquilo que realmente importa.
Para termos um futuro possível precisamos nos remeter ao passado, precisamos rememorar o passado e trazer todas as sabedorias que foram perdidas ao longo do tempo.
Como educadora, quando vejo crianças numa escola vidradas na tela de um telefone e, não aproveitando as conversas, os momentos, os afetos, os olhares enfim, a convivência com o humano, me pergunto como será a nossa sociedade se o digital continuar dominando nossas vidas?
Se o futuro é ancestral, precisamos pensar as gerações futuras através dos saberes ancestrais, reivindico aqui a necessidade de voltarmos aos valores civilizatórios afro-brasileiros que, como pensou Azoilda Loretto da Trindade seria a possibilidade de vislumbrar uma educação outra para nossas crianças.
Faz-se necessário ativar nosso contato com aquilo que nossos ancestrais deixaram para nós. Não podemos viver só de telefones e redes virtuais precisamos viver do humano, demasiadamente humano. Precisamos nos permitir ser e estar em contato com o outro.
O ar que respiramos, nossos alimentos, a natureza que está nosso entorno são partes de um todo no qual nós não somos os protagonistas. Somos coadjuvantes nesta terra que agoniza em função das nossas atuações.
No livro A vida não é útil, Ailton Krenak sinaliza que a Terra é um organismo muito maior que nós, muito mais sábio e poderoso, e nós seu brinquedo mais útil, pois a Terra pode nos deligar tirando nosso ar e para isso não precisa nem fazer barulho.
Diferentemente do que as circunstâncias e referências atuais nos indicam, a Terra não irá morrer, pois esta sobreviverá a nós todos. A Terra ira viver independente de nós. A humanidade é que precisa retornar os saberes ancestrais para conseguir se manter.
O axé, que é um dos valores civilizatórios afro-brasileiros, nos mostra a necessidade de cuidarmos da nossa energia vital, seja ela espiritual, ou apenas um alimento, um contato com a natureza, ações e vivências coletivas e cooperativas. Plenitude.
Cultuar as florestas, os mares, os rios e as plantas e propor uma reconexão com aquilo que deixamos para trás, seria aquilo que está desaparecendo.
Krenak explica que o que chamam de natureza deveria ser a interação do nosso corpo como entorno, em que a gente soubesse de onde vem o que comemos, para onde vai o ar que respiramos. E que estamos aos poucos acabando com os mundos que nossos ancestrais cultivaram sem todo esse aparto que hoje consideramos indispensáveis. Devemos compreender a natureza como uma imensa multidão de formas que incluem vários pedaços de nós.
Finalizando esta travessia que vislumbra um futuro sendo ancestral e que esteja em comunhão com os valores civilizatórios afro-brasileiro, trago um ponto cantado na Umbanda que diz:
Mas como é lindo
Assistir festa nas matas
Ouvir o som das cascatas
E o lindo canto do sabiá
Que noite linda
Que linda noite de luar
Foi no clarão da Lua
Que eu vi Cobra Coral passar
Ailton, Azoilda e Cobra Coral já lançaram a flecha e forjaram as armas para que possamos guerrear. Que a humanidade gire epistemologicamente e espiritualmente.
Axé.
Texto originalmente publicado no livro Vozes Femininas ASASE YAA.
Gisele Rose
Filósofa e escritora. Professora da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). Mestra em Relações étnico raciais pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)... [+ informações de Gisele Rose]
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