Por: Bàbálorixá Eduardo D'Ayrá
📆 23/09/2023 | 22:26
co autor- Nicholas Corrêa do Amaral Faina (Professor e Antropólogo)
Sirnach, cantão alemão. Terceiro ano consecutivo, mas apenas o segundo para mim. Europa, Suíça. Enquanto observo a paisagem passar em um trem perfeitamente cronometrado, pergunto-me o que chocolates famosos, bancos secretos e Iemanjá têm em comum. Sim, exatamente. É isso mesmo, a mãe cujos filhos são peixes. Ancestral iorubana.
O trem para, não demora muito. As estações aqui são tão cinzentas, tão arquitetonicamente quadradas... O silêncio nesse vagão é muito irritante. Parece que alguém está sempre nos observando. Reflito: por que justamente neste país? Entre tantos, não poderia ter sido escolhido um que fosse mais caótico, mais desorganizado, mais... latino?
Partimos novamente, bem no horário previsto.
Hoje somos três antropólogos, há um ano éramos apenas dois: isso quer dizer alguma coisa?
Sussurramos entre nós em português, alguém olha para nós, alguém sorri: estrangeiros, eles vão pensar: graças a Deus!
Aqui estamos em Sirnach: finalmente.
Os flashbacks do ano passado ressurgem imediatamente, as mesmas ruas, as mesmas casas, o mesmo clima: talvez alguns graus a mais. Não é comum nessas latitudes no final de agosto. No entanto, aqui estamos, a um passo do salão onde será realizada a terceira festa de Iemanjá, organizado pela agora federação Omo Abebe.
Fundada como uma associação, ela agora já é uma federação: isso deve significar alguma coisa?
É a véspera da festa, e todos ainda estão ocupados com os preparativos. Baba Eduardo, o diretor geral, quase não consegue respirar de tanta pressa em deixar tudo impecavelmente preparado: depois de tantos anos em solo suíço, até o carioca se sincronizou com a cultura: um exemplo de inclusão, mas isso é outra história.
Somos convidados especiais em um jantar exclusivo para sacerdotes e sacerdotisas dos diversos cultos africanos e afro-brasileiros. Bàbá Eduardo apresenta o bufê com muita emoção e dedica algumas palavras para agradecer a todos que, apesar da distância e das dificuldades econômicas, estão presentes. De Lisboa a Roma, dos cantões suíços a Milão, cada comunidade tenta demonstrar seu apoio emocional e espiritual ao evento do ano: a festa de Iemanjá. Já posso sentir que este ano será diferente, melhor.
No início deste ano, eu estava com Bàbá Eduardo em Salvador, minha cidade natal, na procissão do lavagem do Bonfim, uma festa típica baiana que antecede Iemanjá e o carnaval. Lembro-me bem de como Bàbá Eduardo observava o ambiente ao seu redor: era sua primeira vez na Bahia, a primeira na cidade de Salvador. Eu o observei examinar minuciosamente como o povo baiano organiza suas festividades, como o sagrado e o profano se misturam e se confundem sem que ninguém perceba, como a manifestação ancestral é, em última análise, cultura e não apenas religião. E aqui estou eu de volta à Suíça. É sábado. O dia tão esperado. A festa de Iemanjá do Omo Abebe.
Tudo parece mais autêntico: o café da manhã oferecido a todos os organizadores e ajudantes, a aparente calma de Bàbá Eduardo na direção dos trabalhos e, acima de tudo, a comunicação entre os vários sacerdotes que já se conhecem há três anos e estabeleceram uma sólida amizade.
A estrada está fechada: alguns suíços tentam educadamente evitar passar, mas de repente são convidados a fazê-lo: cultura de inclusão, é isso que Omo Abebe professa.
O Şiré começa solenemente. Ninguém interfere nas cantigas e todos respeitam as diretrizes do Omo Abebe. Há uma pausa, alguns Bàbálorixás abençoam os presentes e, de repente, tenho um flashback. Bàbá Eduardo cumpriu sua missão: trazer um pouco da Bahia para a Suíça.
Enquanto o cheiro de azeite de dendê de um tabuleiro de acarajé inunda o ar puro da Suíça, iemanjá aparece do fim da rua. Uma procissão a segue, outra a antecipa. Na frente, uma faixa segurada por duas moças, as futuras gerações, diz: Diga Não à intolerância religiosa.
Artistas afro-brasileiros se envolvem em apresentações de dança, teatro e canto: o público não está na pele. Algo se move dentro daquele grande salão de recepção, mas hoje não é o dia em que as entidades descerão à Terra: este é um evento cultural e eles sabem disso. No entanto, elas estão presentes.
Começa o momento profano, aquele tão amado por todos os brasileiros: o samba de roda.
Assim, entre uma umbigada e outra, a festa de Iemanjá em Sirnach chega ao fim pelo terceiro ano; dizem que no próximo ano haverá o jubileu de Omo Abebe e tudo acontecerá na metrópole Zurique. Nós estaremos lá, sempre em maior número.
Fecho meus olhos e meus pensamentos, deixando-me levar para a parte mais bonita da celebração: a confraternização. Afinal, Iemanjá é a mãe de todos nós e, como peixes, devemos fluir.
Uma pequena lembrança alegra o final: uma garrafinha com dentro areia do mar: Bàbá, é aquela que adquirimos no Rio Vermelho há alguns meses?
Bàbálorixá Eduardo D'Ayrá
Bàbálorixá Eduardo D'Ayrá foi iniciado na nação de angola tumba jussara, pela Iyálórixá Danda Luamicide no dia 19 de março no Rio de Janeiro em Nova Iguaçu (Cabuçu), hoje pertencente a nação de Ketu. Sendo o filho mais velho de quatro irmãos, é o unico iniciado no Candomblé. Hoje, Bàbá Eduardo com residência fixa na Suíça, na cidade de Zürich (Zurique), em 2019 teve a iniciativa de criar um projeto cultural chamado Ọmọ àbèbé. [+ informações de Bàbálorixá Eduardo D'Ayrá]
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