Por: Alexandre de Oxalá
19/12/2022 | 09:23
O “Povo de Santo” atualmente tem visto, questionado e elucubrado sobre a procura de um número progressivamente maior de adeptos de suas fileiras, seja do Candomblé, da Umbanda, da Quimbanda e de outras respeitáveis denominações, aos templos de culto a Ọ̀rúnmìlà, seja com objetivo de procurar ajuda pessoal ou apenas orientação espiritual para melhorar a prática do sacerdócio, próprio ou extensivo e até mesmo para fins de auto-conhecimento, vindo estes, após um determinado tempo de convivência, solidificando maior interesse pela liturgia desse culto e evoluindo para uma Iniciação, construindo um vínculo mais profundo com o Egbe (casa de culto) e ainda assim não abandonando suas raízes religiosas originais, embora haja casos de migração de prática religiosa com êxito para todas as partes envolvidas. Tal fenômeno é visto, principalmente por alguns candomblecistas, de forma pouco recomendável e pejorativa, muitos taxando como “modismo” e até mesmo o popular termo “marmotagem”. Vale salientar que o fenômeno não é inédito na história de nosso Culto (uso este termo para incluir todas as vertentes africanas), pois vivenciamos o mesmo fenômeno nas décadas de oitenta e noventa em relação à migração de umbandistas para o Candomblé, o que é bem explorado nas obras do respeitável autor e Ogan José Beniste, leitura obrigatória para os adeptos de nossa crença, ratificando o pensamento de Edward Burke de que “um povo que não conhece sua história está destinado a repeti-la”.
Cabe esclarecer que o culto ao Orixá da Adivinhação e da Profecia existe desde tempos imemoriais no continente africano, encerrando em seu conteúdo litúrgico componente filosófico, medicinal e religioso importantes que fazem de seu culto não só religião, mas também uma autêntica filosofia de vida, na qual são imprescindíveis o auto-exame de posturas e atitudes, o estudo constante e a fidelidade aos ensinamentos de Ifá, descritos no Odu-Ifá Iká-Fun, que em nenhum momento discriminam ou excluem formas alternativas de culto religioso, sendo estas práticas inclusive valorizadas em seus contextos para o bem-estar dos adeptos. Interessante também demonstrar que a sabedoria de Ifá acrescenta, não divide nem subtrai, o que torna esse culto altamente recomendável para todo aquele que deseja conhecer mais sobre seu papel no mundo e sobre que preceitos adotar para que sua permanência no Aiye seja mais próspera, feliz e duradoura.
Os Babalawo, sacerdotes de Ọ̀rúnmìlà, participaram ativamente na construção do sistema de culto que chamamos hoje Candomblé, embora isso não seja tão divulgado como poderia e deveria. Inúmeras Ìyálorìṣá consagradas tinham o apoio de Babalawo para a definição de suas atividades litúrgicas, só posteriormente sendo codificado um sistema oracular que permitisse às mulheres atuarem como olhadoras, uma vez que em várias tribos africanas e no próprio culto de Ifá a divinação é tarefa e prerrogativa majoritariamente masculina. Temos famílias de Axé no Candomblé que ainda conservam seus vínculos com a tradição de Òrúnmìlà, como exemplo no Rio de Janeiro a tradição da saudosa Regina de Yemoja, uma das mais respeitadas sacerdotisas da tradição carioca, da família Bangbose, viva até hoje em Santa Cruz da Serra, atualmente conduzida pela digna Iyalorisa Lina de Òṣùmàrè, a quem dirigimos nossos respeitos e pedido de bênçãos.
Cabe encerrar a presente comunicação usando as palavras de um dos sacerdotes de Ifá mais respeitáveis da Tradição Cubana no Rio de Janeiro, o querido Oluwó Siwaju Evandro Otura Aira: “Hoje temos em nossa comunidade de Ifá muitas Yalorixás e Babalorixás que com auxilio de Ifá enobreceram suas vidas sem precisar mexer na liturgia do seu Candomblé, mantendo seu Candomblé intacto, até porque o que vai enobrecer um religioso não é uma pedra a mais em seu igba, mas sim uma visão reformada de si mesmo(a) e de sua religião formando sentidos novos em sua consciência espiritual, resultado: Mais fé, mais dedicação, mais compreensão e mais felicidade, mais prosperidade e sucesso e um Candomblé renovado em essência, com pessoas renovadas. Acredito que assim, com essa união seremos imortais e felizes. É isso que Ifá tem levado ao povo do Candomblé, somente isso e mais nada, o resto é fantasma da mente ignorante” (disponível na íntegra em https://ifanilorun.com.br/?page_id=1452 )
Louvado seja o Ori de todos os Babalawo que nos ajudam em nossa caminhada! Meus respeitos em particular ao eminente Professor Fernandez Portugal Filho, Babalawo Ifanimorá, que me orienta e, há dez anos, me mostra diuturnamente o que é Ifá, sendo um verdadeiro baluarte da preservação da Tradição Africana em terras tupininquins.
Babalorixá Alexandre de Oxalá
Alexandre de Oxalá é iniciado no candomblé desde 2009 pela Doné Cristiane de Oxum, neto do saudoso Doté Luís de Oya do Axé Omo Inã, de nação nagô-vodun em Anchieta, RJ; iniciado no Culto a Ọ̀runmila em 2012 pelo Babalawo Ifanimorá, Prof Fernandez Portugal Filho e sacerdote do Xwe Fa Sèn, em Nova Iguaçu (RJ).
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