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Política de terreiros e política para terreiros

Por: Ana Paula Mendes de Miranda


Foto: Amanda Oliveira | GOVBA

28/06/2024 | 12:32


Quem nunca ouviu falar que os “terreiros não se organizam politicamente”? Certamente, muita gente. Essa afirmação é um julgamento que nega a luta do movimento afrorreligioso pela garantia dos seus direitos, que muitas vezes se diferencia de práticas vigentes em organizações político-partidárias ou movimentos sociais.



Falar em uma política de terreiros é pensar em comportamentos, atitudes e processos de decisão dos religiosos, é reconhecer que há diversas formas de resistências cotidianas, que vão do ebó às festas sagradas, que constituem formas de afirmação da identidade e vivências das tradições. Essas ações geraram visibilidade dos modos de vida dos povos de terreiro, e geram até hoje, resultando em fortalecimento das bases de pertencimento coletivo e autoafirmação individual que caracterizam um povo tradicional de matriz africana.


Outras formas de política produzida pelos terreiros é a resistência por meio do ativismo jurídico, quando se usa instrumentos legais e mecanismos jurídicos, acionando advogados militantes ou órgãos públicos, para assegurar direitos. Podemos lembrar ainda de mais duas formas de resistência – a mobilização para ações de confronto e a articulação com outros movimentos sociais, que estão relacionadas à proposição de intervenções de impacto imediato, tanto para denunciar, quanto para consolidar acesso a direitos. Em todas elas o protagonismo está vinculado aos terreiros, mas isso não se constitui num projeto de poder, mas em modos de agir que se observa em todo o país diante dos marcos legais existentes.


O que se busca é uma forma plural de construção de uma política para terreiros, que consiga dar conta de um olhar atento e diferenciado às demandas político-religiosas das tradições de matriz africana, com toda sua pluralidade no território nacional. É possível afirmar que esse processo é anterior a inclusão da discriminação racial na Constituição de 1988 como crime inafiançável, mas esse marco legal foi chave para a construção posterior da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em 2003, ano que também foi sancionada a Lei 10.639, tratando do ensino da história e cultura afro-brasileira como parte da educação nacional.


O sentido de desejar uma política para os terreiros é buscar a construção de políticas públicas, ou seja, diretrizes e ações executadas pelos governos (federal, estadual, municipal) para atender às demandas, administrar os problemas públicos e promover o bem-estar de seu público-alvo.


Em 2016 foi iniciado o II Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, que foi para consulta pública em 2018, com quatro eixos (Garantia de Direitos; Superação do Racismo e Combate à Violência; Territorialidade e Cultura; Inclusão Social e Desenvolvimento Sustentável), mas nunca chegou a ser concluído. O que se viu depois foi o desmonte de todas as políticas públicas de promoção de igualdade racial, até que em 2023 o Ministério da Igualdade Racial (MIR) foi criado. Em seu primeiro ano cumpriu o objetivo de estruturar a pasta e criar a base para construir o avanço da política de igualdade racial no Brasil.


Observando a página do MIR (https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br) é possível identificar que as ações dirigidas aos terreiros estão divulgadas nas notícias. Das notícias publicadas foram filtradas 21 que se referem à matriz africana, nas quais se conclui que o MIR tem atuado nos seguintes temas (em ordem cronológica): Atendimento de vítima de racismo religioso; o Projeto Abre-caminhos, com encontros regionais, para combate ao racismo religioso; reunião com o governo do estado do Maranhão para discutir ataques a estátua de Iemanjá, em São Luís; acompanhamento da apuração da morte da Mãe Bernadete; Inauguração do centro de cultura das religiões de matriz africana Genny Clemente (SP); Apresentação das contribuições das religiões de matriz africana para o meio ambiente na COP 28; encontro inter-religioso como etapa de construção do programa de enfrentamento ao racismo religioso; anúncio de 5 editais, com previsão de 9 milhões, para combate a intolerância religiosa e preservação ambiental; a parceria com Conselho Nacional de Justiça para criar a Semana da Primeira Infância de Terreiro; o debate sobre regularização de terreiros de matriz africana envolvendo o MIR e o governo do Distrito Federal; a homenagem à diretora da SQPT (Secretaria de políticas para quilombolas, povos e comunidades tradicionais e matriz africana, povos de terreiros e ciganos), Luzi Borges, a mais nova guardiã do Parque Pedra de Xangô, em Salvador; a entrega de equipamentos de promoção da igualdade racial nos municípios de Duque de Caxias, São Gonçalo e Volta Redonda (RJ); o apoio institucional aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros do Rio Grande do Sul.


Há que se celebrar que o ministério tenha sido criado e que hoje tenha protagonismo na construção de políticas públicas, mas há que se registrar que não se faz política pública sem dados ou sem dinheiro. É urgente que se tenha um levantamento de projetos e programas que já existem nas esferas municipais e estaduais dirigidas aos terreiros, bem como é preciso que se tenha um diagnóstico mais acurado dos casos policiais e judiciais que afetam os terreiros. Sem falar na necessidade de assegurar que exista um orçamento para atender às demandas em todo o país, conforme previsto no Estatuto da Igualdade Racial.



Joana Bahia - AxéNews

Ana Paula Mendes de Miranda

Doutora em Antropologia (USP); Professora da Universidade Federal Fluminense; Coordenadora do Ginga; Pesquisadora do INCT Ineac.




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