Por: Paloma Maroni
✅ 18/12/2024 | 19:33
A oralidade tem sido, ao longo da história, um veículo essencial para a transmissão de conhecimentos, e talvez o mais desenvolvido quando se trata da transmissão sobre as propriedades medicinais das plantas. No caso das tradições que se utilizam das plantas como medicina, a oralidade desempenhou um papel crucial na preservação e disseminação desse saber ao longo de gerações.
Mas por que a oralidade é tão importante?
Memória coletiva
A oralidade cria uma memória coletiva, no qual saberes e experiências são compartilhados e transmitidos de forma dinâmica entre pessoas de uma mesma família e da comunidade a qual pertence.
As narrativas surgem a partir das propriedades curativas das plantas, seguem pelos modos de preparo e de uso, chegando até as contraindicações e precauções a serem tomadas. Esses conhecimentos são passados de geração em geração, seguindo, mesmo que de forma intuitiva, os padrões de informações que encontramos nas bulas de medicamentos.
Tanta informação transmitida por palavras e gestos remetem ao cuidado e a preocupação que o emissor tem com o receptor. E a comunicação, feita dessa forma oral, fortalece laços comunitários, a confiança entre os seus membros, criando ou preservando uma tradição.
Adaptação e Flexibilidade
A oralidade é um meio mais flexível e adaptável, ao contrário das escritas, registradas em algum tipo de suporte. Os saberes e as experiências sobre o uso medicinal das plantas tornam-se conhecimentos que podem ser ajustados e reinterpretados ao longo do tempo, permitindo que a tradição se renove e se adapte às novas realidades.
Dimensão Social e Cultural
A transmissão oral dos conhecimentos sobre plantas medicinais ocorre em contextos sociais específicos, como em rituais, festividades e interações cotidianas.
Ao saber de alguém que esteja se sentindo mal, a mente traz à tona quase que de forma automática, alguma experiência sobre o que usou quando sentiu a mesma coisa. É comum que ao tentar ajudar o outro, a oralidade aconteça por meio de um ensinamento sobre uma erva boa para um chá ou para um banho, por exemplo.
E assim, tal ensinamento passa de um para o outro, estruturando comportamentos sociais e culturais à medida que vai se disseminando sobre a comunidade. A informação revelada se transforma em um conhecimento sobre uma prática que faz parte da cultura de um determinado grupo de pessoas.
Linguagem Simbólica e Metafórica
A linguagem utilizada na oralidade é constantemente acompanhada de simbolismos e metáforas, o que facilita a memorização e a compreensão dos conhecimentos, mesmo por pessoas de diferentes idades, níveis de instrução e realidades.
Os seres humanos são especialistas em transmitir conhecimentos, em diferentes abordagens, para se fazerem entendidos sobre um determinado assunto. Faz parte do ego ser reconhecido pela sabedoria que detém. Para isso, o uso de vivências, conceitos, símbolos, exemplos e opiniões, se tornam recursos poderosos para a transmissão de uma mensagem bem compreendida.
A oralidade é um método de comunicação utilizada em diversos contextos, seja por quem não é alfabetizado, seja por quem não tem um papel ou um aparelho eletrônico para registrar, seja por quem precisa passar uma informação rapidamente, em um dado momento.
E por isso, a transmissão oral precisa de uma estrutura, de ideias e pensamentos, imediata para passar a mensagem desejada. Ao contrário da escrita, que pode ser estruturada com mais calma e com outros meios de comunicação como apoio de formulação para um texto. Assim, podemos concluir que para fazer a oralidade acontecer, é preciso criatividade, associações e memórias enraizadas para transmitir um conhecimento que se assegure da compreensão no(s) indivíduo(s) que a recebem.
Desafios e Preservação
Apesar de sua importância vista até aqui, a oralidade enfrenta alguns desafios, principalmente nos dias atuais. A padronização da cultura e a globalização podem levar à perda da diversidade de conhecimentos tradicionais e à valorização excessiva da medicina convencional.
Medicamentos industrializados bastante conhecidos como a Aspirina, por exemplo, são reconhecidos por suas comprovações científicas e também pela eficácia percebida de quem já utilizou. Mas poucos sabem que seu princípio ativo, o ácido acetilsalicílico, teve origem de uma planta, chamada de Erva Ulmeira (Filipendula ulmaria). Essa planta é conhecida em alguns lugares inclusive, pelo nome de “aspirina vegetal”, devido às suas propriedades analgésicas.
Desde antes da criação da marca comercial Aspirina, as flores e folhas da Erva Ulmeira já eram utilizadas em bebidas ou emplastros para reduzir dores. Porém, devido às colonizações (que tentaram a todo custo suprimir os conhecimentos ancestrais e as culturas de povos originários), a exacerbação da ciência alopática como soberana, e das políticas que favorecem o consumismo ao invés do cooperativismo, o conhecimento oral sobre o uso medicinal dessa planta, foi perdido.
E aqui, aproveito para enfatizar os esforços e a resistência dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e matriz africana em preservar e valorizar a oralidade. A transmissão oral, sobre o uso das plantas voltadas à cura é o principal método para educação, preservação de saberes e manutenção das tradições dentro de terreiros e barracões.
As plantas são usadas não somente para fins medicinais, mas também em rituais, oferendas, defumações, proteções e fundamentações. Esses usos só se mantêm vivos até os dias atuais por causa da oralidade, da transmissão de tais conhecimentos entre sacerdotes e filhos, filhos mais velhos para os filhos mais novos, e de quem ajuda para quem busca ajuda. E tais aprendizados, muitas vezes, são refletidos e só chegam às comunidades de fora, graças ao conhecimento preservado dos cultos e tradições de origem africana.
Sabendo de tamanha importância que a oralidade tem dentro da transmissão de conhecimentos sobre o uso medicinal das plantas, temos a obrigação e a responsabilidade de reproduzi-la e valorizá-la em nossas comunidades. Assim mantemos vivas toda a sabedoria ancestral nos nossos cuidados em saúde, cultivando o sagrado em nossos corpos.
Axé!
Paloma Maroni
Makota suspensa, enfermeira e terapeuta integrativa. Cuidar é minha missão. Missão que a espiritualidade sempre me mostrou e me guiou, mesmo que por caminhos tão sutis. E por isso a área da saúde sempre foi tão atraente para mim. Me graduei e me especializei em Naturologia Clínica, Terapias Integrativas e Acupuntura. Hoje, cuido de pessoas, animais, plantas e do que precisar de cuidados e estiver ao meu alcance. [+ informações de Paloma Maroni]
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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews. |
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