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Religião, política e poder. Uma relação promíscua?

Por: Pejigãn Arthur Awofakan Ogundá Meji



25/09/2024 | 18:47


É possível que o conhecimento de Deus, nosso criador, nosso conservador, nosso tudo, seja menos necessário ao homem do que um nariz e cinco dedos? Todos os homens nascem com um nariz e com cinco dedos e nenhum com conhecimento do Deus. François Marie Arouet - VOLTAIRE


Comecei os outros dois textos dessa trilogia com afirmações: no primeiro “O Brasil na atualidade, é um país onde seus cidadãos se odeiam”; e o segundo “Há um aumento da presença do elemento religioso no discurso político, de poder, na coesão/coerção social e na construção das lideranças sociais”. Nesse terceiro, começo com perguntas, inspirado pela questão de Voltaire sobre se são mais importantes o nariz e os cinco dedos, do que Deus, para nossa vida?



Se há deuses, necessariamente, haverão ritos, dogmas, tradições, hierarquia. Enfim, uma religião que justifique esses deuses ou deus?


Embora toda religião comece com um deus (exceto o budismo), nenhuma se origina de um deus, e desde já, deixo claro a adaptação empírica do postulado de Kant.


Podemos afirmar que de leste a oeste, de norte a sul, no planeta, nenhuma religião se origina de um deus/deuses.


Todas começam com a afirmação da existência do deus ou deuses e constroem verdades religiosas, criam representantes desses deuses, ou doutores da sabedoria da interpretação das “verdadeiras” vontades e desígnios imperativos deles.


Também, é correto relacionar, diretamente, qualquer religião, sem exceção, com a construção do conceito de ódio no primeiro texto? E com o perigo real dos estados teocráticos e teocracias no segundo?


Do mesmo modo, podemos dizer que sempre houve uma relação direta entre religião e o estado (exceto nas repúblicas socialistas)? E com essa relação, as religiões têm por projeto conquistar o poder na sociedade? E, finalizando essas indagações, nenhuma religião consolida seu poder social, sem buscar essa relação íntima e próxima com a esfera política e a classe dominante?


Avaliarei a relação entre religião, poder e politica, e se é uma relação promíscua, e, do mesmo modo, qual seu impacto sobre a sociedade e o indivíduo, mas não responderei as perguntas, necessariamente.


Religião, substantivo feminino; crença na existência de força, ou forças sobrenaturais”. Religião se relaciona com o verbo latino “religere”, que expressa cumprimento consciencioso do dever, respeito a poderes superiores e reflexão profunda. E com substantivo “religio”, que tanto se refere ao objeto da reflexão, quanto a atividade ligada a ela. Por fim, também, com o verbo “religare”, que implica relacionamento íntimo com o sobrenatural. Etimologicamente o termo e conceito religião são relacionados com essas expressões latinas.


A generalização do dicionário e a complexa etimologia do termo, refletem a diversidade, amplitude e complexidade da presença do elemento religioso na construção da sociedade, e pela permanência e validade da existência de um ou vários deuses, como base da construção da linguagem, discurso e mediação das contradições sociais.


Deus e religião são ambíguos e ambivalentes, por causa dos heterogêneos sentimentos que provocam no conjunto da sociedade.


Não se pode, objetivamente, falar de religião, enquanto processo e experiência de Deus. A vivência dos deuses, é um processo místico, individual e personalíssimo.


Religiões são sistemas de crenças, dogmas, ritos, práticas, e, necessariamente, organização burocrática, hierarquizada, coercitiva e sectária (pois todas se pretendem portadoras da verdade universal incontestável), para construir e conformar uma ética (de acordo com o pensamento de M. Weber) manifesta e impositiva ao comportamento do fiel e/ou seguidor.


A ética religiosa, como qualquer projeto ideológico, é o resultado da apreensão e compreensão da realidade social, filtrada pelos interesses da classe que a produz.


Aproveita o sistema de crenças – interpretação determinista do destino e do universo, constituída em termos sobrenaturais, por uma cosmogonia, uma interpretação da história e uma psicologia social – que afeta emocionalmente o comportamento e a capacidade de compreender a realidade do crente e praticante, a serviço da classe dominante que a produz.


Tantas quantas sejam as religiões, serão as construções éticas diversas e contraditórias.


Mesmo dentro de um segmento religioso há contradições éticas radicais, como por exemplo, a interpretação da cobrança de juros (usura) no dinheiro emprestado, por dentro dos cristianismos. Durante mais de 1.000 anos, até o final do Séc. XVIII, os católicos consideraram pecado mortal, e até hoje, é um pecado grave e ato anticristão. Já os evangélicos, desde o séc. XVI (João Calvino nasce em 1509 e morre em 1564, e é o pai da ética protestante capitalista), consideram louvável, porque resulta do engenho do indivíduo, e uma benção do Cristo. Essa contradição ética impacta e interfere na vida do indivíduo e na formação social e histórica.


Todos os processos religiosos são formas de dominação e coerção emocional e psicológicas, porque são crenças deduzidas da santidade imputada ao sobrenatural (ressalto, mais uma vez, que sou um sacerdote de religião de matriz africana – portanto essas observações não desqualificam o sentimento e a experiência religiosa de qualquer pessoa). E simbolicamente, através da padronização de dogmas e rituais, fornecem um código comportamental que organiza o grupo, o estamento, a casta e a sociedade.


Isso porque às religiões, para funcionarem, se organizam burocraticamente, hierarquicamente, territorialmente e relativamente quanto as classes sociais e econômicas dominantes.


Religião é um conjunto organizado de praticas e sistemas e não guarda relação direta com deuses ou deus.


A experiência de deus, mística e espiritual, é, por definição, desorganizada e anárquica, é um arrebatamento emotivo único, e, portanto, não precisa de religião.


Posso, desse modo, afirmar que deuses, ou deus, não precisam de religião, mas, apenas, de práticas que mantenham sua presença invisível, viva entre seus crentes e fiéis.


No texto anterior, eu afirmei que o traço que distinguia bandos coletores/caçadores nômades, das primeiras organizações sociais sedentárias, era, exatamente, a prática do rito funerário, incluindo o enterro do corpo, como crença na extensão da vida para além da morte. Portanto, a crença num poder sobrenatural, superior e perene: deuses ou deus.


Os primeiros sinais de mudança nas relações sociais, começam, justamente, com a construção das primeiras práticas religiosas, dos primeiros sistemas de dogmas e crenças, e das primeiras formas de distinção entre os místicos, médiuns, ou chefes religiosos e o restante do grupo, clã, casta ou sociedade.


Essa é a matriz da criação de todas as religiões. Começam a partir da afirmação da existência de deuses, por lideres carismáticos, ou chefes religiosos, com vistas a criação, manutenção ou ampliação do controle dessa elite sobre o grupo, e deste sobre o conjunto da sociedade.


Não há uma única religião que se constitua a partir da experiência mística de cada um dos seus fiéis, nem da construção pessoal dos atos votivos. Todas, invariavelmente, criam regras autoritárias e inflexíveis de práticas religiosas, determinam o que é aceito como experiência mística, estabelecem punições para o desrespeito aos atos de fé, ou cotidianos, que sejam ou estejam em desacordo com essas regras, além de, principalmente, fornecerem uma linguagem eficaz para mediar as contradições e os conflitos pessoais ou sociais por um lado, e por outro, significados e significantes de empoderamento de seus seguidores em relação ao restante da humanidade.


Nesse sentido, nenhuma religião é libertária, ou mesmo libertadora. São linguagens que reconstroem o mundo a partir do desejo do praticante, ou frequentador, de mobilidade social ascendente, e nunca provocam uma reflexão crítica da sociedade, a partir da situação concreta destes. Se servem da potência do desejo, para criar uma linguagem de mediação das contradições, e, então, ideologicamente produzirem processos de dominação, com vistas a conquistar, manter e aumentar seu poder intrínseco, e nas estruturas sociais de poder.


Atualmente, como as religiões oferecem, quase exclusivamente, as linguagens mais eficiente, de mediação de contradições e conflitos, e de validação dos grandes ritos da vida social, do nascimento (com o batismo), até a morte, possuem poder político em quase toda as formações sociais, e têm um papel preponderante, quando não principal e protagonista, nas formulações de políticas públicas. Os retrocessos nos debates, e políticas, tanto de estado, quanto de governo, quanto ao aborto, casamento entre pessoas do mesmo gênero, Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana, são exemplos inquestionáveis do alcance deste poder.


Na verdade, nos últimos sessenta ou setenta anos, a estrutura religiosa, apenas, retomou esse papel em todas as sociedades. Afirmo que a partir da década de 30 do século passado, a cristandade e o xintoísmo, cedendo aos benefícios que tiveram, apoiaram a ascensão ao poder de grupos racistas, xenófobos e intolerantes, nazistas ou fascistas, pré segunda guerra mundial na Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Japão e, também, na América do Sul.


Anteriormente apoiaram abertamente, a mobilização de mais de vinte nações contra a revolução bolchevista, inclusive ajudando financeiramente na compra de armamentos para o assassinato de civis e no pagamento de grupos mercenários de assassinos. E repetem essas mesmas atitudes em relação a Cuba, Coreia e Venezuela no século atual.


Se indagarmos quais as razões para isso, nos depararemos com respostas paradoxais, pois pretendem defender a liberdade de cada ser humano, mas para isso negam a liberdade dos seres humanos dessas sociedades de se auto determinarem, ou então, para defender o direito dos seus fieis de exercerem sua religiosidade, mas nunca foi registrado nenhuma proibição de pratica religiosa nessas sociedades. Apenas esses governos não mantém nenhum relacionamento, além dos protocolares com religiões, negando-lhes acesso e benesses corruptoras, em que se viciaram com essa proximidade.


Nos últimos cinquenta anos, essas mesmas atitudes e justificativas, foram alegadas por estados muçulmanos, para proteger e apoiar grupos mercenários com esconderijos, armas e apoio financeiro direto.


Israel usa os mesmo argumentos, para o extermínio, nas últimas 4 décadas, das populações palestinas, na Índia a mesma coisa, no continente africano em vários momento, em várias nações os mesmos extermínios. Todas essas ações são apoiadas por organizações religiosas, clérigos e teologias, que constroem as justificativas ideológicas e concretas para todo tipo de incivilidade, boçalidade e violência.


Só há mentira nessas posições políticas. O que buscaram, buscam e seguirão buscando, todas estas organizações e instituições religiosas, é poder político pelo controle do estado, com vista, exclusivamente, a manutenção de sua riqueza e capacidade de explorar e expropriar a riqueza das sociedades e dos indivíduos para si.



A liberdade do homem não deve ficar sob qualquer outro poder legislativo senão que se estabelece por consentimento….Onde quer que a lei termine, a tirania começa JOHN LOCKE Segundo Tratado Sobre o Governo


A bancada da bíblia se articula com a da bala e do boi, porque a construção da linguagem dos seus discursos é ideológica, assumidamente ultraconservador, anticomunista, defensor da burguesia, do capitalismo selvagem, reacionários, machistas, chauvinistas, homofóbicos, racistas, intolerantes e discriminadores (das mais diversas formas), mas não xenófobos, nesse ponto são subservientes, pusilânimes, covardes e infantilmente colonizados em relação aos outros países também dominados pela ultradireita.


Atualmente, não há construção da linguagem política, objetiva e concreta, sem o uso do recurso religioso. Também não se constrói políticas públicas, sem justificá-las com princípios religiosos.


Os segmentos religiosos marginalizados ou minoritários, tentam construir lideranças e partidos políticos, para contraporem lideranças e partidos políticos de segmentos religiosos hegemônicos que dominam o aparelho de estado e o poder político.


Há sólidas representações evangélicas, judaicas e católicas, todas, sem exceção alinhadas com o projeto burgues transnacional, de destruição do estado representativo laico, e entrega da gestão das sociedades às corporações empresariais transnacionais, que transformam tudo em mercadorias, mercado e lucro, e a gestão da segurança social, e das estratégias e ritos de coesão social, às corporações militares e suas forças auxiliares, que pretendem a solução das contradições e conflitos nas relações sociais, pela disciplina, hierarquia e punição, ao invés do democrático debate e confronto de ideias.


Os segmentos de matriz africana, nos últimos 40 anos pelo menos, discutem e tentam um mínimo de organização para viabilizar a eleição de um dos seus membros, sem conseguir nenhum sucesso ou avanços.


Pretendem contrapor essas lideranças de movimentos sociais, que legitimamente aspiram à representação política, às representações políticas da cristandade, tanto evangélicos quanto católicos, e de judeus, para defender ou garantir direitos de seus representados, e propor políticas públicas.


Decorrem dois questionamentos: um quanto à defesa de direitos, e o outro quanto a validade do projeto político em si.


Quais direitos, especificamente, pretendem defender? Já fiz essa pergunta a algumas destas lideranças, e as respostas são discursos vagos, incertos, retóricas acaloradas e inúteis. Não conseguem objetivamente e didaticamente responder.


Para contribuir, vou tentar imaginar quais seriam esses direitos que pretendem defender enquanto legisladores e atuantes no parlamento.


Talvez o direito de professarmos uma religião? Já está consagrado na Constituição da República no artigo 5º, incisos IV e VI, que são “cláusulas pétreas”, não admitem questionamentos, interpretações ou modificações. Devem ser aplicadas de forma literal.


Ou direito as nossas práticas? Também está consagrado na CFRB, também no artigo 5º, no citado inciso VI, que garante o direito a liturgia específica e típica de cada religião, inclusive o abate sacrificial, já pacificado por entendimento do STF.


Do mesmo modo, fica garantido o direito a honra (portanto qualquer ofensa é crime contra dispositivo constitucional), o direito de reunião sem prévia autorização legal, inclusive em locais abertos, o direito a liberdade de associação, e de se desligar delas. São muitos direitos elencados e garantidos na legislação constitucional e infraconstitucional.


A questão não é de defesa de direitos, mas de execução da garantia dos direitos legais. São coisas diferentes. Poderia ser o direito a propriedade imobiliária e a vida? Mas, também nestes casos, a Constituição os garante. O ataque a eles são casos de polícia. E não de atuação parlamentar.


As lideranças de movimentos sociais, têm uma pauta e agenda de atuações próprias, além de um papel fundamental na cobrança de ação do estado, do parlamento, do judiciário e da polícia.


Muitas vezes, os parlamentares atuam substituindo estas lideranças, atropelando-as, constrangendo-as ou instrumentalizando-as, em vez de apoiar as ações das lideranças sociais. Essa atitude não é boa ou necessária, mas lhes garante visibilidade, protagonismo popular e, principalmente, votos para a continuidade de seus projetos políticos pessoais.


Portanto, qual a validade de construir liderança politico eleitoral, a partir desta argumentação? A defesa de direitos religiosos ou enfrentamento a intolerância no parlamento é inócua e pueril.


Vejamos o argumento de enfrentar os políticos evangélicos, católicos e judeus.

Enfrentar ou se contrapor a bancada da bíblia para que? Discutir linguagem ou intolerância religiosa, ou crimes com motivação religiosa? Como debate parlamentar é tosco e pobre. Esta é uma pauta de atuação de movimento social.


Tentem se lembrar quando um deputado estadual, federal ou senador cristão, seja católico ou evangélico, ou judeu, tratou de religião no parlamento? Quando defenderam o direito de pastores, padres ou rabino de falarem de seus deuses ou práticas religiosas, nas tribunas dos parlamentos? NUNCA.


Estas bancadas têm consciência de classe, são burgueses. Sabem quais às pautas econômicas, políticas e ideológicas defendem enquanto classe social, grupo de poder e grupo no poder.


A religião para esses representantes da burguesia, é uma construção de linguagem ideológica, para alienar o proletariado. Temos o exemplo do ex presidente Bolsonaro que disse “estado laico é o cacete, o Brasil é de Jesus!”. Ele, na verdade, não afirmava sua religiosidade carismática, mas usava uma religião na qual ele não acredita, para justificar seus desejos, ególatras, ditatoriais e sectários. Ele fez um ataque ao estado democrático representativo burguês.


Quando defendem pautas conservadoras, como os retrocessos sobre o aborto legal, casamento de pessoas do mesmo gênero, adoção por casais homoafetivos, não estão defendendo a família ou valores tradicionais da Bíblia. Constroem, ideologicamente, a linguagem de um discurso de alienação do proletariado, sobre as pautas econômicas que decorrem desse conservadorismo, como a redução dos direitos trabalhistas, alegando que é para estimular a produção e garantir a ampliação da oferta de emprego. Mas na verdade esconde o projeto de redução de encargos, para ampliar a expropriação de mais valia, aumentar a acumulação de capital e concentração de renda e riqueza.


É o capitalismo selvagem, que a bancada da bíblia propõe, defende e implementa (No Brasil, e em todos os países onde a extrema direita controla o estado), usando essas arapucas religiosas e conservadoras, alienantes e desmobilizadoras das verdadeiras lutas que o proletariado deveria enfrentar.


Neste sentido, eu vejo infantilidade no projeto de construção de liderança politico eleitoral de matriz africana, para contrapor ou equilibrar uma correlação de forças religiosas, cristã ou judaica, no xadrez político.


Então, porque eu, que sou um sacerdote de religião de matriz africana, deveria determinar meu voto, numa eleição a candidatos de matriz africana? Considerando o contexto histórico e social no qual vivo, quem me representa? Com certeza, ser macumbeiro não é uma qualidade que eu procuro num representante. Eu não voto por filiação religiosa, mas por projeto de classe. É a luta de classes que me faz decidir sobre essa ou aquela candidatura.


Concretamente me interessa suas propostas para ampliação de direitos trabalhistas, estabilidade de emprego e trabalho, diminuição da carga tributária sobre o trabalhador, e aumento desta sobre ganhos de capital, heranças, patrimônio empresarial e imobiliário.


Me preocupa a redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais, para 36 horas, com aumento salarial, para diminuir a concentração e aumentar a distribuição de renda. Me preocupa a melhoria, e ampliação, do ensino público gratuito de qualidade, e a taxação pesada das mensalidades das escolas particulares, para aumentar as verbas destinadas ao ensino público.


Há muitas pautas de mudanças nas relações sociais, tornando-as mais justas e igualitárias.


Quem porventura ler este texto (embora não creia que ninguém dê, ou deva dar, atenção ao que escrevo), tente contrapor uma única pauta religiosa, que seja tão, ou mais, importante que minhas preocupações sobre como decido meu voto. Não encontrarão nenhuma.


Wittgenstein que tratou das relações entre as coisas, a linguagem, o pensamento e a realidade, ao estudar a mistica (estudo do misticismo) traz um aforismo “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”, que, embora de forma muito simplificada aqui, vem reafirmar esta ideia de que a experiência de Deus, não pode ser falada, é inexpressável, Deus se explica em Si mesmo. Wittgenstein tem respeito pela experiência religiosa, mas desconfia da teologia.


Uma teologia é uma linguagem, e a linguagem é um espelho do mundo, ou seja, revela um pensamento sobre uma interpretação daquilo que vivenciamos e compartilhamos, assim podemos dizer que se não se conhece a linguagem, não se conhece o mundo. Essa é a função de qualquer religião e sua teologia, que a explica e justifica, em seus ritos, dogmas e práticas.


A experiência de Deus, não se exprime numa teologia, porque teologia é um processo de dominação, e os deuses são libertação.


Engels, que funda as bases da moderna sociologia da religião, não contrapõe a religião a infraestrutura econômica, que determina o modo de produção e a sociedade. Entende que a religião tem, potencialmente, um papel importante nas mudanças sociais. Pode ser um instrumento de luta de classes, de superação da opressão e desigualdade social.


Vê a religião, de um lado, como um refúgio e lenitivo das angústias pessoais, e, por outro lado, um mecanismo de classe, para a aglutinação e amálgama das bandeiras de luta do proletariado. Assim, está dentro da luta de classes e das contradições dentro do modo de produção, existe, enquanto parte da construção da sociedade. Toda sociedade, e suas estruturas de poder, mantém alguma forma de relação entre estado, poder e religião.


A existência da bancada da bíblia, tem outra dimensão, dentro do estado burguês.

Portanto, é válido se criar uma bancada da macumba que a contraponha? Num estado laico é aceitável a existência de uma ou outra bancada? As respostas são simples: NÃO.


A simples menção a quaisquer deuses ou religião em qualquer espaço estatal é uma ofensa ao princípio constitucional da laicidade do estado.


Mesmo que a Constituição tenha sido promulgada sob a proteção de Deus, este princípio não foi ofendido, pois foi somente o ato de promulgá-la que esteve sob a proteção de Deus, um deus genérico, que respeitava a múltipla e diversa religiosidade do povo.


É errado falar de deus ou religião, enquanto servidor público no trabalho. Então como enfrentar essas bancadas religiosas, suas declarações de fé, seja no executivo, legislativo ou judiciário? Simplesmente criminalizando-as por ofensa ao princípio constitucional da laicidade do estado.


Não podemos cair na arapuca da burguesia, de pensar que há uma guerra Santa no Brasil. NÃO HÁ.


Um candidato de matriz africana ou de religião de matriz africana, tem que se colocar no contexto da luta de classes, dentro de uma sociedade capitalista. Entender que representa o proletariado. E, também, um segmento do proletariado, cuja construção de mundo se origina na senzala.


É preciso que a gente rejeite, com veemência, relação entre força espiritual (axé) e ostentação ou ou situação abastada. Os dois são conceitos burgueses, e expressam a relação do indivíduo com o grupo e sociedade, mas não têm relação com a prática religiosa, enquanto a experiência de Deus. Ter força espiritual, é ter sabedoria para ajudar o outro, do mesmo modo que ter uma vida digna não é emular e ostentar sua situação abastada. São coisas diferentes. E confundi-las ou é alienação de classe, pois nenhum “macumbeiro” será efetivamente um burguês, já que não há, concretamente, como expropriar a “mais valia” do trabalho, nem conseguir acumulação primitiva de capital, ou é egocentrismo e narcisismo, que busca chamar a atenção e admiração do outro pelo exibicionismo opressivo.


Eu posso afirmar que um representante de matriz africana autentico, deve, com clareza e firmeza, expressar seu posicionamento enquanto um representante dos trabalhadores, e mesmo que as questões das intolerâncias e discriminações ocupem espaço nas suas pautas e agendas de trabalho e luta, e elas devem ocupar, pois são expressões da injustiça social, elas não podem suplantar as questões e lutas da classe trabalhadora no seu todo. A relação entre religião, política e poder, e de seus representantes de ambos os lados, somente visa a formulação de uma linguagem de dominação e opressão, justificada pela apropriação de deuses pelas classes dominantes, com o objetivo de manter e aumentar a exploração da maioria da sociedade. Essa É uma relação promíscua, e quanto mais intensa e próxima, maior é a opressão, exploração e violência da elite dominante sobre as massas.


Desse modo, e para finalizar essas reflexões que estão longas e, provavelmente, chatas, eu acho positivo que macumbeiro não vote em macumbeiro. Porquê cristão não vota em cristão. Cristão vota em conservador, de direita ou extrema direita, machista chauvinista, homofóbico, misógino, discriminador, intolerante e fundamentalista (que não entendem a sociedade como diversidade, debate e concertação entre as diferenças, mas como o lugar duma verdade que se sobrepõe a tudo e a todos: “Deus acima de tudo”).


Penso que macumbeiro que é macumbeiro mesmo, no duro, vota em quem é radicalmente oposto de tudo isso, sem concessão nenhuma. Vou além, a macumba se originou nas senzalas, que é o oposto de toda e qualquer forma de reinado, império, exploração e dominação. Minha religião existe para combater a exploração e opressão de reis, rainhas, imperadores, capitalistas, burgueses, exploradores, opressores, etc.


Assim, macumbeiro deveria votar em projetos de libertários (que defende a liberdade absoluta), porque eles são os que se opõem a senzala (lugar da absoluta falta de liberdade).


O que eu quero dizer com isto? Que o voto do Povo de Matriz Africana, e não apenas dos macumbeiros (mas destes também), tem que expressar sua condição de classe social proletária, ou seja, dispensando essa miríade de reis africanos, que estão se multiplicando por aqui (e que são tão inúteis e exploradores, como quaisquer outros reis, não prestando nem para segurar um guarda-sol), dizendo que representam nossa origem. Nós não podemos monetizar nossa existência, em negação a nossa história de descendentes das senzalas, dos excluídos e oprimidos. Devemos nos afirmar política e ideologicamente como proletários, enquanto classe social, e darmos nosso voto, avaliando quem nos representa concretamente, e quem quer nos enganar, usando um discurso religioso, para esconder o fato de que representará os interesses econômicos e de classe da burguesia.


É PRECISO ESTAR ATENTO E FORTE – Gilberto Gil e Caetano Veloso.



Pejigãn Arthur Awofakan Ogundá Meji - AxéNews

Pejigãn Arthur Awofakan Ogundá Meji

Cientista Político pela UFRJ, Acadêmico de Direito pela UNIVERCIDADE, Pesquisador assistente no Instituto PACS, Awofakan ni Orunmilá Ogundá Meji, pejigãn do Ile Axé Oxum Miwa, Pejigãn de Oxum, Otum Sarapembé do Ile Axé Egungum Alapasampá... [+ informações do Pejigãn Arthur Awofakan Ogundá Meji



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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews.


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