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Religiões afro-brasileiras e luta antirracista na Itália: iniciativas do Ilê Axé Alaketo Airá OlómiOníwà e da associação cultural Àlàáfíà APS

Por: Tatiana Golfetto


Foto: Reprodução

08/07/2024 | 18:40


A expansão das religiões afro-brasileiras na Europa é um fenômeno crescente fruto de processos mais gerais caracterizados pela circulação de pessoas e de bens culturais e religiosos pelo globo. No entanto, é fácil de se imaginar que não se trata de processos fáceis. Na medida em que se consolidam em países europeus, tais religiões encontram uma série de desafios, que vão desde adaptações necessárias, por exemplo, por conta do clima, ao enfrentamento de preconceito, desconfiança e racismo religioso por parte da sociedade em questão. A luta contra o racismo e a intolerância religiosa, lutas que desde sempre marcaram a história e a atuação dessas religiões no Brasil, se repropõem agora em novos contextos. O caso de um terreiro na Itália nos mostra como essas comunidades estão se organizando para enfrentar essa situação.



O Ilê Axé Alaketo Airá Olómi Oníwà se encontra nos arredores de Milão, Itália, e foi fundado em

2020 por pai Leonardo de Airá, babalorixá italiano iniciado há mais de vinte anos no Candomblé Keto. A preocupação de Leonardo em tornar o seu terreiro não só um ponto de referência para a divulgação da religiosidade afro-brasileira na Itália, como também criar um espaço de acolhimento, se reflete nas atividades que o terreiro propõe em conjunto com a associação cultural Àlàáfíà APS, ligada à casa e fundada em 2022 por seu filho de santo Simão Amista juntamente com o babalorixá e Lisa Regina Nicoli, antropóloga e ekede da casa. A associação é responsável pelas iniciativas culturais e organiza ao longo do ano uma série de projetos, palestras, workshops, podcast, lives nas redes sociais além de participar de eventos culturais em conjunto com outras associações presentes no território italiano.


Assim como no Brasil, a luta contra o racismo e a intolerância religiosa por parte do terreiro e

da associação passa pela valorização e pela divulgação da história, da arte, da culinária e de

outros elementos culturais afro-brasileiros e africanos. Segundo Amista, presidente de Àlàáfíà,

a divulgação do aspecto cultural é central. Simão é italo-afro-brasileiro, professor e pesquisador que atua na luta antirracista e no campo da arte africana e afro-brasileira, tanto na Itália quanto no exterior. Ele conta que uma das maiores dificuldades em se combater o racismo na Itália é, antes de tudo, combater o fato de que a sociedade italiana não reconhece a existência do racismo no país, o que torna a discussão muito difícil. Divulgar a história da África, dos afrodescendentes no Brasil e nas Américas e dos afrodescendentes na Itália seria então um modo eficaz de combater esse problema. De fato, essas histórias contrastam uma narrativa ocidental hegemônica que apaga a presença e a contribuição de africanos e seus descendentes na Itália ao longo de sua história. É importante lembrar ainda que, como a maioria dos países europeus, a Itália também colonizou parte da África, e esse passado colonial é muitas vezes ignorado pela sociedade. É preciso então se levar em conta todas essas problemáticas. Segundo Simão, elas podem impactar inclusive as discussões sobre racismo entre praticantes e simpatizantes italianos de religiões afro-brasileiras que defendem a inexistência de racismo no país.


Outro ponto importante é relativo ao fato de que a grande maioria da sociedade italiana não

conhece o Candomblé e outras religiões afro-brasileiras. Desse modo, muitas das atividades

organizadas têm como objetivo combater esse desconhecimento e desinformação. Um

workshop organizado pelo terreiro e pela associação que atrai muitas pessoas é o de danças dos orixás. Realizado em Milão ao longo do ano, cada encontro é dedicado a um orixá diferente e oferece aos inscritos a possibilidade de entrar com contato com o universo religioso afro-brasileiro através da dança e da comida. Durante o encontro, aprende-se algumas danças do orixá em questão e, no fim, também é possível experimentar e compartilhar algumas comidas ligadas a ela/ele. Esses elementos culturais servem como mediadores e aproximam italianos que têm interesse em aprender sobre essas religiões.


Outra iniciativa muito interessante organizada em 2024 foi “Una Giornata al Terreiro” (Um Dia

no Terreiro) realizada no dia dezenove de maio na própria casa de santo. A programação

começou logo pela manhã com pão de queijo e um café de boas-vindas aos cerca de vinte cinco participantes. Ao longo do dia, eles puderam assistir a duas conferências sobre o Candomblé (O que é Candomblé? e Quem são os orixás?), ter aula de danças dos orixás e de culinária, onde tiveram também a ocasião de preparar os acarajés que foram servidos no almoço. É importante notar que foi oferecido um desconto de 50% do valor da inscrição para afrodescendentes, reforçando a proposta de contrastar narrativas hegemônicas difundidas na Itália ao proporcionar a essas pessoas não só um momento de convivialidade, como também uma conexão com as próprias raízes e com a filosofia e saberes afro-brasileiros e afrocêntricos. O terreiro acolhe uma grande quantidade de frequentadores e filhos de santo brasileiros e

africanos, a diferença de outros lugares, o que se deu também durante esse evento.


As iniciativas são muitas, mas o que eu gostaria de destacar aqui é o impacto da presença desses terreiros na sociedade, no caso a italiana, ao contribuírem pela luta contra o racismo e a intolerância religiosa e na defesa de uma sociedade mais justa e igualitária. Como destaca Simão Amista, é central, nessa luta, criartambém um espaço de acolhimento, valorizando a diversidade e combatendo qualquer tipo de exclusão.


Para conhecer mais sobre o trabalho deles, visite:


Site: https://candomblemilano.it/

Instagram terreiro: https://www.instagram.com/candomble_milano/

Facebook: https://www.facebook.com/candomblemilano/

Canal do Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCs8cLSBmmLNAnrMb5Arg1rA

Instagram da associação: https://www.instagram.com/alaafia_aps/



Tatiana Golfetto - AxéNews

Tatiana Golfetto

Antropóloga. Docente na John Cabot University, Roma, Itália. Doutora em História das religiões/antropologia (Universidade de Roma Sapienza). Desde 2013, acompanha e pesquisa a expansão das religiões de matriz africana na Europa, especialmente na Itália. É membro de Jacarandá, associação de brasilianistas na Itália.



E-mail de Tatiana Golfetto: tatigolfetto@hotmail.com

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