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Terreiros e ditadura civil-militar

Por: Ana Paula Mendes de Miranda e Leonardo Vieira Silva


Foto: Reprodução

10/04/2024 | 18:09


A invisibilidade das agressões que os terreiros sofreram durante a ditadura militar, merece nossa atenção. O Relatório da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (2015) ¹ é um dos poucos documentos que reconhecem que ocorreu uma violência do Estado ditatorial contra negros e menciona os terreiros das religiões de matriz africana, mas assume que o tema não fora analisado até a ocasião. Se passaram 60 anos desde o golpe de 1964 e essas memórias seguem incolores, como diz Thula Pires.





Ao contrário do senso comum, que afirma que religião e política não se discute, gostaríamos de reconhecer que este tema sempre esteve presente no cotidiano e na vida pública. Nossa proposta, então, é trazê-lo para o debate público: a perseguição aos terreiros durante a ditadura civil-militar no Brasil, a partir da série de depoimentos “Ditadura nunca mais: a resistência dos terreiros”, apresentada no Ginga (https://www.instagram.com/reel/C5Oyh9NpBV8/?utm_source=ig_web_copy_link / https://youtu.be/FyCanrx6Sno?si=HncKj8wWV1Wwg3ml).


Em nossas pesquisas realizadas nos estados de Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, pudemos ouvir relatos de lideranças dos terreiros sobre suas memórias sobre o período da ditadura civil-militar.


Passado-presente-futuro se entrelaçam. As histórias de invasões policiais, interrupção de festas religiosas e o exercício de um modo arbitrário das polícias, que tinha como foco a destruição de instrumentos ritualísticos dos terreiros e a humilhação pública dos religiosos, obrigando-os a desfilar pelas ruas com seus objetos e trajes rituais até a delegacia, para que fossem presos, não são infelizmente apenas histórias antigas.


As violências também se manifestaram por meio de ações de milícias paramilitares. A primeira de que se tem registro histórico ocorreu em Maceió (AL), a “Liga dos Republicanos Combatentes” que atuou destruindo e perseguindo os terreiros, em 1912. Mas também se sabe da ação do “Mão Branca” no Rio Grande do Norte, nos anos 1960, que não atacava apenas os praticantes dessas religiões, mas qualquer "desafeto" dos dirigentes locais. Neste mesmo período, na cidade de Laranjeiras (SE), o Pai Alexandre, liderança do terreiro “Filhos de Oba” buscou refúgio em Salvador também para fugir de perseguições.


É preciso registrar que os religiosos construíram suas estratégias de resistência, para isso foi preciso silenciar os seus atabaques, mudar os ritos, mudar o horário das cerimônias, incluir símbolos católicos nos terreiros, com o intuito de diminuir ou evitar as “batidas policiais”. As adaptações ocorreram na busca de se tentar preservar a própria tradição.


Sabemos que o autoritarismo e a violação aos terreiros são anteriores à ditadura civil-militar. Afinal o pior momento ocorreu durante o Estado Novo, mas o que se viu durante os “anos de chumbo” nos permite pensar o quanto ainda hoje ainda se enfrenta uma longa duração de perseguições e repressões, que constantemente se atualizam sob o argumento dos “casos isolados”.


Buscar os casos ocorridos num passado recente, por meio de testemunhos e documentos, que podem ainda existir, é necessário para que a luta por garantia de direitos dos povos de terreiro finalmente se torne um capítulo da história oficial.





Joana Bahia - AxéNews

Ana Paula Mendes de Miranda

Doutora em Antropologia (USP); Professora da Universidade Federal Fluminense; Coordenadora do Ginga; Pesquisadora do INCT Ineac.




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