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Territórios chamados “Candomblés”

Por: Doné Conceição d’Lissá


Foto: Almanaque AC2B

22/03/2024 | 11:01


Vou começar essa conversa com um trecho, escrito em 1879, por Sílvio Romero e citado por Vagner Gonçalves da Silva em Religião e Etnicidade (Religião e relações raciais na formação da antropologia do Brasil):


“...temos a África em nossas cozinhas...o negro não é só uma máquina econômica; malgrado sua ignorância, um objeto de ciência.”






Indaguemos, ainda nos dias de hoje, se essa ainda não é a visão que alguns tem do negro e do que efetivamente é importante frisar e se ater desse indivíduo?


Romantizar uma senzala e uma favela, seu substituto após abolição, não fez com que nossos antepassados tivessem melhores condições de sobrevivência e nem que o futuro fosse menos ou mais fácil para seus descendentes. Mas isso é um fato da nossa construção civilizatória, no momento, gostaria de abordar a legitimidade desses antepassados em garantir seus valores, sua ciência, sua cultura, sua identidade e seu modo peculiar de tornar tudo isso “vivo” enquanto seu tempo se esgotava.


Sim, a transmissão oral do “saber” da prática do “Mito”. (Por favor não relacionem de forma alguma com o “inominável inelegível” rsss). Essa oralidade que é uma série de sensibilidades humanas, gestualidade, religiosidade, fé, cultura, experiências fora da concretude do científico, para serem a “concretude da abstração”.


O Mito é construído e reconstruído, nesses territórios Candomblés, através de uma série de objetos, cânticos, adornos, sons, gestos, danças, necessários para que a energia circule, o conhecimento abstrato da fé, da religiosidade. Mas não podemos nos esquecer, que também existe um espaço geográfico comum que integra os indivíduos em uma relação familiar, política, social, hierárquica e, as vezes, consanguínea. Essa integração se dá através da relação existente entre uma “Casa Matriz” e suas filiais, como acontecia na aglutinação dos vários “Povos” em África.


Dito isso, voltemos aos “Nossos Territórios Candomblés” de hoje.


Será que ainda encontramos essa relação das “filiais” com as “Casas Matrizes”? E os “Mitos”? Ainda são cultuados pelos que hoje dirigem esses territórios como foram ensinados por seus “Mais Velhos”? Esses territórios hoje mantém a identidade na relação com sua origem? Ainda existe pertencimento entre esses territórios? Os rituais são repetidos como resistência ao apagamento da história ancestral dessa “Família”?


Não tenho a pretensão de responder a nenhuma dessas perguntas. Apenas trago a reflexão de que o legado que nos foi entregue por nossos antepassados e nossos ancestrais divinizados é de fundamental importância para essa tarefa de resistência. Nunca houve outra missão mais importante que essa. Desde África, já existia a necessidade de manter a riqueza cultural das comunidades e suas divindades. O compartilhamento de expressões linguísticas em diferentes idiomas (Fon, Yorubá, Bantu, entre outras), hábitos, costumes, foi estratégia de resistência, e compartilhamento das divindades também fez parte dessa estratégia na diáspora.


A memória revela e mantém a narrativa do passado que o “Mito” traz consigo, a história sagrada, a memória da sua origem, o “Mito vivo”, partícipe das atividades humanas diárias, que modela e define o comportamento, suas manifestações do poder sagrado e seus efeitos.


Será que nossos territórios Candomblés ainda guardam essas relações e perpetuam a origem do “Mito” como nos foi apresentado? Conhecemos sua origem? Assistimos sua história sagrada contada através do tempo? Deveríamos nos preocupar em guardar e manter vivos esses ensinamentos? Ou devemos apenas nos ater ao mundo novo, a história nova, o “Mito” fora do seu tempo e da sua origem? Olhemos para os nossos territórios Candomblés e tentemos responder ou ao menos, pensar sobre!!!! Abenção!!




Doné Conceição d’Lissá - AxéNews

Doné Conceição d’Lissá

Sacerdotisa do Kwê Cejá Gbé, Unidade Territorial de Matriz Africana, Djeje Mahin, Psicóloga, Bacharel em Direito, Doutora Honóris Causa, Mestranda de Memória Social pela UFRJ/ UNIRIO, Conselheira Municipal de Cultura de Duque de Caxias, Presidenta da Câmara Popular de Vereadores de Duque de Caxias, membro da Renafro Baixada.



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