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Transexualidade no Candomblé

Por: EtemÍ Flávia de Òsún

02/01/2023 | 18:12


co autor- Hundevá Gustavo de Odé


Cada vez mais faz-se urgente a discusão a cerca desse tema, é nítido que a sociedade evolui para direção de um futuro mais plural. Estamos vivendo um momento onde a questão da diversidade está em voga e sobretudo o respeito as ideologias de gênero, dessa forma, cabe aqui ressaltar primeiramente que esse texto não tem a pretensão de convencer ninguém a nada, mas de chamar atenção do leitor à reflexão a cerca do tema proposto.


Quando observamos liturgicamente as UTTs (Unidades Tradicionais de Terreiro), percebemos que há uma demarcação de funções masculinas e femininas mas não ideológica e sim no que tange a essência de nascimento de cada um. O culto de Legbara por exemplo, é do sexo masculino e tem muito mais a ver com a energia que o falo (pênis), a ejaculação e a perpetuação da espécie que emana através do homem, do que com a questão identitária, já que esse orisá em específico, é o sr que rege essa energia natural humana. Dessa forma, um homem trans não poderia ser sacerdote deste culto pois ele não possui a essência do sexo masculino de nascimento. Por outro lado, uma mulher trans poderia, já que esta - apesar de ser igualmente feminina a uma mulher cis - possui a essência do sexo masculino a partir de seu nascimento. Analogamente acontecerá no culto de Egungun, o princípio será exatamente o mesmo.


Quando partimos para o culto de ìyamin Osorongá, acontece ao contrário, as pessoas que nasceram do sexo masculino não podem se tornar sacerdotes deste culto. Portanto, neste caso, é um culto proibido para as mulheres trans porém seria aberto aos homens trans; novamente a função não teria a ver com a questão da identidade de gênero, mas sim com toda essência do sexo feminino a partir de seu nascimento, pois estamos aqui diante de mães ancestrais que dominam a energia da menstruação, do aborto e da genitália feminina, assim como o útero. Trata-se de fluídos expelidos pelo corpo e jogados na natureza ou da troca de fluídos e energias entre homens e mulheres para o milagre da procriação.


É sabido que a sociedade evolui e ela em si se transforma assim como a natureza, dessa forma, faz-se necessário estabelecer a partir do Sacerdote ou Sacerdotisa de cada terreiro, o respeito dentro de cada UTT propondo aqui uma postura justa e respeitosa de acordo com a identificação e da ideologia de gênero de cada pessoa, começando pelo aspécto da comunicação e o social de cada unidade, ou seja, respeitar o nome social e civil, através da forma como todos deverão se reportar a cada ator deste cenário a partir da utilização do artigo definido e pessoal do caso reto corretamente, ou seja, para mulher trans (a / ela) e para Homens trans (o, ele) e todos os outros ajustes gramaticais necessários que estabeleça coerência para as concordâncias devidas de gênero, iniciando assim o processo dentro das UTTs do enfrentamento contra a homofobia e a transfobia.


Desta forma, de maneira urgente seria necessário a desconstrução da divisão existente das funções dentro das UTTs, ¨trabalho de homem¨ ou ¨trabalho de mulher¨, para que seja provocada uma nova cultura: as funções deveriam ser divididas por "trabalho de pessoas nascidas do sexo masculino" ou "trabalho de pessoas nascidas do sexo feminino", incluindo assim as mulheres e homens trans nas funções que lhe cabem sem o constrangimento causado pela atual perspectiva de divisão.


Seguindo por este pensamento, entender também que a vestimenta em nada desrespeita o sagrado, já que o próprio se veste de acordo com o gênero de cada iniciado. Ogun, senhor guerreiro, usa saia se sua "filha" for mulher , Osalá num dado momento se vestiu de mulher e assim se sacralizou até os dias de hoje mesmo em "cabeças" masculinas, veja que o próprio sagrado não se ofende com a vestimenta e nos ensina essa lição a tantos anos e muitos talvez nunca se deram conta disso. Então porque uma mulher trans ou homem trans ofenderia alguém se usasse as vestimentas adequadas à sua identidade de gênero?


Estou certa de que muitas UTTs já se adequaram a essa realidade, porém a grande maioria ainda reluta à essa adequação, nega a transformação de um gênero para o outro, mesmo sabendo que é para a felicidade dessas pessoas , mas não nega a transformação puramente estética (silicone, lipoescultura, rinoplastia, retirada de costelas etc) de pessoas cis gênero, o que me parece uma grande incoerência, já que ambas são transformações físicas para o bem estar pessoal e emocional de quem o faz.


O candomblé possui a fama de ser uma religião agregadora e acolhedora, mas possui intrisicamente ainda um posicionamento polarizado em relação à comunidade Trans; entretanto não podemos mais fugir deste debate, muito menos fingir aceitação. Para tanto só existe dois caminhos aceitáveis atualmente: ou aceita de fato com tudo que sua identificação traz como vestimentas, nome e forma de ser etc dando um lugar a essas pessoas na liturgia que energenticamente elas possam estar sem querer maquiá-las, e cria a partir dessa aceitação rodas de conversa com sua comunidade religiosa, educando-a a fim do respeito verdadeiro às diferenças, sendo neste modelo sua UTT um agente multiplicador a favor do exercicio ao respeito e a inclusão da pluralidade social humana; ou simplesmente não aceita e elas terão o direto de buscar uma UTT que de fato entenda essas questões e seja de verdade acolhedora em sua plenitude. O que não é mais viável, é a meia aceitação colocando essas pessoas num lugar constrangedor para que elas caibam no universo conservador e preconceituoso de sua UTT.



Etemí Flávia de Osùn - AxéNews

Etemí Flávia de Òsún

Flávia Vieira Costa nasceu no Rio de Janeiro, em 27/02/1974. Graduou-se em Letras e Literaturas pela Faculdade Integradas Simonsen, se Pós Graduando em Literatura Portuguesa pela UERJ. Hoje, dá continuidade aos seus estudos superiores na Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade de Administração, Ciências e Educação - FAMART. [+ informações de Etemi Flávia de Òsùn]

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