Por: Mãe Viviane de Oxum
19/12/2022 | 09:23
Conhecer um terreiro não é tarefa fácil. Somos filhos e filhas de uma cultura hegemonicamente cristã. Mesmo que não frequentemos uma Igreja, seus valores estão entranhados em nosso ser. Por isso, aprendemos que terreiros são espaços malditos, onde o diabo e seus demônios se travestem de guias de umbanda, Orixás, Nkisis e Voduns das nações dos candomblés. Se você quiser pisar pela primeira vez num terreiro, é preciso ter, antes de tudo, coragem. Coragem para desconstruir preconceitos. Coragem de se relacionar com o diferente e desconhecido. Coragem para não ser refém dos medos que a nossa cultura incutiu em sua consciência. Coragem de superar o racismo religioso que estigmatiza e demoniza religiões de matrizes afro-ameríndias. Daí a minha primeira dica: tenha coragem para pisar um terreiro sem medo nem ódio no coração.
Segunda dica: saber-se ignorante. Todo terreiro, seja de umbanda, candomblé, batuque de Xangô etc., é um espaço de transmissão de conhecimento. Trata-se de conhecimento ancestral, passado de geração em geração através da cultura oral. Todos os cantos e recantos de um terreiro são atravessados por sabedorias ancestrais: a cozinha, os quartos, o congá, as roupas, as rezas, os mitos, os cânticos, os ritos, os gestos, as danças... Não só isso. Cada terreiro é um terreiro; cada terreiro é dotado de um conjunto de sabedorias e tradições. Por isso, é preciso respeitar e conhecer a especificidade do terreiro que você pisa e não achar que todo terreiro é igual aos outros terreiros. Isso se revela num gesto simples de buscar saber quais são as roupas adequadas para serem usadas no terreiro que você está a visitar. Ainda no plano do conhecimento, vale a pena pesquisar as diferentes tradições espirituais de terreiro, para não confundir umbanda com candomblé, candomblé Jeje com candomblé Ketu, nação de Angola com outra nação de terreiro, nem confundir guias de umbanda com divindades de candomblé. Por exemplo, no candomblé nação Angola são cultuados os Nkisis, já no candomblé nação de Jeje se cultua os Voduns e no candomblé nação Ketu se cultua os Orixás. Essas divindades não aparecem do mesmo modo nas umbandas, onde ancestrais humanos (guias) diretamente ligados ao lado oprimido e discriminado da cultura brasileira se manifestam nos transes de incorporação, com o intuito de fortalecer e potencializar os nossos caminhos na Terra. Importa destacar que as tradições de terreiro são plurais e diversas. Nelas, nada é homogêneo. Quem assume a ignorância, certamente, pisará num terreiro e se nutrirá de muito conhecimento e sabedoria.
Terceira dica: entregar-se de corpo e alma. A grandeza de um terreiro não se reduz à magia, às manifestações sobrenaturais, às palavras de encantamento, às limpezas espirituais e quebras de demandas. Tudo isso é muito importante. Porém, um terreiro é um espaço social, cultural e ecológico sagrado onde a vida é cultivada e cuidada, para que os nossos caminhos sejam trilhados com sabedoria, beleza, leveza e justiça. As tradições de terreiro se preocupam como o modo como fazemos o nosso caminho nesta vida, com os outros seres, humanos e não humanos. Por isso, o candomblé Ketu valoriza tanto o Orí, Orixá que se identifica com a nossa cabeça e que decide o modo como fazemos o nosso caminho, chamado por esta tradição de Odú. Cuidar da cabeça, cuidar do caminho, cuidar de quem somos – é isso que atravessa, de formas distintas, as tradições de terreiro. Nesse sentido, ir a um terreiro implica inteiramente quem somos. Assim como não aprendemos a nadar se não entramos inteiramente na água de uma piscina ou do mar, não é possível conhecer verdadeiramente um terreiro, se não nos entregarmos a ele de corpo e alma.
De qualquer forma, se você deseja conhecer um terreiro, não se prive de receber de lá aquilo que a tradição iorubá chama de Axé: a força vital que atravessa o terreiro e que é transmitida a todos e todas que compartilham aquele espaço de diversas maneiras. Essa força vital se revela de muitos modos: nas palavras de um guia de umbanda, no abraço de um Orixá, num padê de Exu, na comida de terreiro etc. Se você resolveu ir a um terreiro, você decidiu receber bênçãos, Axé, vitalidade. Fortalecer a vida e os caminhos da vida é o sentido de toda tradição de terreiro. Seja bem-vindo/a ao espaço sagrado onde a vida é celebrada por inteiro.
Mãe Viviane de Oxum
Mãe Viviane de Osun, Ìyálòrìsá do Àṣẹ Riqueza das Águas (Ẹgbẹ́ Awo Ọmọ Oṣùn T’Loya). Dirigente do terreiro de umbanda, Vovó Cambinda do Cruzeiro. Guiada pelas mãos de minha Mãe carnal Mãe Fátima de Oyá, que pelas mãos de minha Avó Nadir de Ogun, que é uma mulher que carrega, ancestralidade no sangue! [+ informações de Mãe Viviane de Oxum]
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