Por: Mãe Kátia
31/10/2024 | 08:15
A intolerância dentro da própria religião é uma questão delicada e, muitas vezes, dolorosa, pois revela como, mesmo em espaços que deveriam ser de acolhimento e respeito, ainda surgem barreiras e julgamentos. Na Umbanda, isso se manifesta de diversas formas, especialmente nas disputas sobre tradições, vertentes e práticas específicas. Um dos pontos mais frequentes é a crítica sobre "qual Umbanda se toca". Algumas pessoas questionam se é "de raiz", "branca", "popular", se cultua ou não Orixás. Contudo, essas preocupações desviam o foco do que realmente importa: a conexão sincera com o sagrado e a transformação interna.
Minha resposta é clara: a Umbanda que toco é aquela que me faz bem, onde posso louvar meus Orixás com devoção e ser uma pessoa melhor para mim e para os que me procuram. Essa Umbanda faz a diferença, libertando a pessoa para despertar o melhor de si, em vez de aprisioná-la em dogmas. É uma religião que agrega valores virtuosos, tanto para a pessoa quanto para a sociedade. Isso é o cerne da Umbanda: um caminho de cura, de transformação e de evolução.
Infelizmente, há quem prefira focar em detalhes superficiais ao invés de valorizar essa essência. Criticam a cor da vela, a cor da roupa, os instrumentos litúrgicos, e, pior ainda, pregam que a Umbanda "não pode cultuar Orixá". Essa limitação é pequena diante da grandeza da religião e contradiz sua própria riqueza e diversidade. Como pode alguém, que se diz umbandista, tentar restringir ou limitar a Umbanda na suas vertentes?
Umbanda é liberdade. Ela nasceu como uma religião brasileira, constituída a partir da união de influências culturais que formaram o Brasil: indígena, africana e europeia. Dos povos indígenas, herdamos o conhecimento profundo sobre a natureza e os rituais que exaltam a harmonia com o meio ambiente. Da cultura africana, absorvemos a força dos Orixás, a ancestralidade e os rituais que conectam diretamente às forças da natureza. Da europeia, encontramos a devoção ao cristianismo, como à figura de Jesus. Cada uma dessas tradições contribui para a beleza e profundidade da Umbanda.
Então, por que existem pessoas que se endurecem tanto e resistem a essa diversidade? A filosofia da Umbanda prega a inclusão dos excluídos, o acolhimento, independentemente de cor, crença ou cultura. No entanto, muitos que se dizem umbandistas demonstram intolerância, especialmente contra a vertente africana. Sempre há quem se incomode com os Orixás ou com os elementos da cultura africana, como se fosse possível desmembrar a Umbanda de uma de suas raízes mais profundas. Isso é não apenas um erro, mas uma injustiça histórica e espiritual.
A Umbanda não segue um único padrão de prática. Ela não tem um órgão central que dite regras fixas para todas as casas. Cada terreiro se constrói com base nos ensinamentos e experiências de sua escola templaria. Temos vertentes como a Umbanda Sagrada, que se baseia nos ensinamentos de Rubens Saraceni; a Umbanda Omolocô, que valoriza a ancestralidade africana; a Umbanda Tradicional; Umbanda Nação; Umbandomblé; Umbanda Crística, entre outras. Essa diversidade enriquece a Umbanda, permitindo que ela se adapte às necessidades espirituais de cada comunidade, sem perder sua essência.
A vertente da Umbanda que eu professo está enraizada no culto aos Orixás, aos ancestrais e a Ori. Os ensinamentos dos Orixás são inegociáveis, pois trazem valores grandiosos, vindos da tradição milenar dos Yorubás, que se estabeleceram no Brasil e influenciaram profundamente a religião que conhecemos hoje. A Umbanda que pratico respeita essa herança, reconhecendo a importância de cada elemento cultural que compõe nossa fé.
Contudo, há um ponto que não pode ser ignorado: aqueles que utilizam a religião para ridicularizar e diminuir os outros, em vez de elevá-los. Infelizmente, em tempos de internet, é cada vez mais comum vermos pessoas que se dizem praticantes ou conhecedoras da Umbanda, mas que, ao invés de contribuírem para o crescimento espiritual, preferem usar o espaço religioso como palco de ridicularização. Fazem vídeos ou criam conteúdos que distorcem e banalizam a fé alheia, seja para ganhar atenção ou para se colocar em uma posição de autoridade que não lhes cabe.
É preciso lembrar que, ao lidar com uma tradição espiritual milenar, como a que envolve os Orixás e a ancestralidade, assim como os indígenas que são donos dessa terra, é fundamental o respeito, o conhecimento verdadeiro e, acima de tudo, a ética. Usar a religião para ganhar espaço nas redes ou impor verdades absolutas é um ato pequeno e contrário à própria essência da Umbanda. A nossa fé se baseia na busca pelo crescimento, pelo respeito às diferenças e no resgate dos excluídos, e não na humilhação ou na ridicularização.
A Umbanda não é sobre rigidez ou sobre quem está certo ou errado. Ela é sobre o encontro com o sagrado, sobre consciencia como ser humano e como espírito. Os que se apegam a questões superficiais, como a cor da vela ou o tipo de rito, estão perdendo de vista o essencial: Umbanda é elevação espiritual, é um movimento constante em busca da melhora pessoal e coletiva.
Portanto, diante de qualquer crítica ou intolerância, sempre reforço: a Umbanda que eu toco é aquela que me faz crescer como ser humano e como espírito. E isso, em última instância, é o que realmente importa. A Umbanda liberta, não aprisiona. Ela é o caminho para a transformação interna, para o despertar da nossa melhor versão, e é nisso que devemos focar — e não em divisões, disputas e julgamentos. Que cada um possa encontrar na Umbanda a sua verdade, aquela que faz bem à alma e ilumina o caminho daqueles que cruzam sua jornada.
Mãe Kátia
Mãe Kátia é sacerdotisa dirigente do Templo Luz do Amor Divino, Ìyálórìṣà coroada na Umbanda e iniciada nos cultos afro-brasileiro e tradicional Yorubá. Além de ser a fundadora do Projeto Social Mensageiros do Amor, que já atendeu mais de 300 famílias proporcionando a melhoria da qualidade de vida em suas comunidades e levando dignidade, respeito e humanidade, a Ìyálórìṣá tem um grande histórico acadêmico: possui formação em psicanálise com ênfase na ciência da religião e nas relações do homem com o universo consciente e inconsciente e graduação em metafísica da saúde, cromosofia, cromologia e em cromoterapia. [+ informações de Mãe Kátia]
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Artigo de Opinião: texto em que o(a) autor(a) apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretações de fatos, dados e vivências. ** Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do AxéNews. |
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