Por: Pai Luis Eduardo
26/12/2022 | 09:39
Quem nunca abriu seu coração pra um Preto-Velho, né minha gente? Quem não gosta de um abraço de um Preto-Velho? Tem coisa melhor?
Nossos vovôs e vovós, junto com os Caboclos e as Crianças, são umas das entidades mais representativas da nossa Umbanda; só que, enquanto os Caboclos representam o vigor e a força e as crianças simbolizam a pureza, os Pretos-Velhos representam a sabedoria, a senioridade. E quem não consegue perceber isso, não é?
Os nossos vovôs e vovós sempre tem um conselho, uma boa orientação, para nos dar. Eles sempre têm uma palavra sábia, que nos faz refletir “por que não pensei nisso antes?”...
Mas quem são os nossos vovôs e vovós? Quem são os nossos Pretos-Velhos?
Ao me ouvir perguntar isso, talvez você esteja pensando: que pergunta boba! São espíritos de pretos e velhos, ex-escravos!
Mas a resposta para essa pergunta, não é tão simples assim não, minha gente!
Uma vez ouvi de um umbandista bastante experiente que “os Guias de Umbanda não são autobiográficos”! E que grande verdade é essa! E essa é uma afirmação bastante verdadeira porque enquanto um espírito está trabalhando na Umbanda, ele não representa mais a si próprio; ele passa a representar a falange a qual está inserido. E, todos os espíritos que pertencem a uma mesma falange não utilizam mais o nome que usavam em sua última encarnação, nem a aparência e nem mesmo o comportamento, mas sim, o nome, a aparência e o gestual daquela falange.
Então, imaginando a falange de Pai Joaquim da Angola... Quantos espíritos pertencem àquela falange? 100? 500? 1000? Não sabemos responder.
Mas o fato é que, por estarem dentro daquela falange, enquanto estiverem trabalhando ali, todos aqueles espíritos usarão o nome de Pai Joaquim da Angola, se apresentarão aos médiuns videntes com a mesma aparência perispiritual, utilizarão o mesmo padrão de pontos riscados (embora possa haver diferenças) e se comportarão como todos os outros da mesma falange se comportam!
E isso nos traz uma grande reflexão! Se o nome e a aparência daquele Preto-Velho não tem nada a ver com o que ele foi em sua última encarnação (ou em qualquer de suas encarnações), e sim, tem a ver com a falange em que trabalha, então ele pode ter sido “qualquer coisa” em sua última encarnação e pode, mesmo, nunca nem ter sido escravo!
Pode ter sido um médico, uma freira, uma dona de casa comum... ou até um ex-escravo... Mas isso terá sido mera coincidência...
Ah... mas e aquelas histórias que a gente lê na internet?
Aliás, é muito comum, né? A gente ver na internet pessoas perguntando: “alguém sabe a história da Vovó Catarina, da Vovó Cambinda, do Pai Joaquim?
Pra começar, se cada falange tem centenas de espíritos usando o mesmo nome, de QUAL Vovó Catarina, Vovó Cambinda ou Pai Joaquim que estamos falando?
Portanto, a primeira lição que a gente tira dessa reflexão é que a história de um não quer dizer que seja a história do outro de mesmo nome. Aliás, é bem improvável que seja!
A segunda lição que tiramos dessa reflexão é que, já que aquele espírito pode ter sido “qualquer coisa” em sua última encarnação e essas histórias que a gente vê por aí sempre remetem à escravidão, duas coisas podem estar acontecendo:
A primeira é que, de tanto alguém insistir em “ter uma história pra escutar”, aquele espírito, para não ferir a fé e o entendimento daquela pessoa, criou aquela história se colocando da forma como a pessoa o entende - como ex-escravo - e aproveitando a situação para ensinar alguma lição de moral: de resignação, de paciência, de superação, de perdão...
Porque, vocês imaginem, se alguém insiste, querendo uma história de Preto-Velho como essas e o Preto-Velho fala assim: Bom filho, eu nunca fui escravo... na minha última encarnação eu fui uma dona de casa comum... Ou, “eu fui um padre” ou “eu fui um marceneiro comum”... Como ficaria o sentimento daquela pessoa que queria tanto escutar uma história bonita como essas que ouvimos por aí? Sua fé ficaria abalada. Talvez não entendesse bem...
Por isso, os Pretos-Velhos – assim como os Caboclos, as Crianças e os Exus -, eventualmente, podem contar esses “contos” sim, mas sempre aproveitando para colocar uma lição de moral, que é o que realmente importa...
Esse é o primeiro motivo de termos essas histórias circulando por aí. O segundo – e talvez, mais comum – não é por uma razão tão nobre como a de repassar algum ensinamento moral sem mexer com a fé.
O segundo motivo é causado pelo animismo! Então, o médium que não compreende que os espíritos que trabalham como Guias de Umbanda não são aquilo que aparentam, que aquilo é só a representação de sua falange, cisma que seu Guia tem que ter uma história que justifique ele agora se apresentar como Preto-Velho ou como Caboclo ou como Criança ou como Exu.
Ou, em outras palavras, acredita realmente que o seu Guia é realmente aquilo que aparenta. E aí, sua mente inconsciente cria aquela história e ele, depois, a espalha pelas mídias da vida, até acreditando que aquilo é verídico.
Mas o fato é que aquele espírito que baixa hoje como Caboclo pode nunca ter sido índio, o que baixa como Criança pode ter desencarnado já idoso e o que baixa como Preto-Velho pode nunca ter sido escravo.
E é bom a gente falar de animismo, porque isso é uma coisa muito séria e muito comum.
Afinal, não somos robôs! Nossa mente não é naturalmente passiva e, num momento de um pouco mais de atividade, mesmo quando estivermos incorporados, ela pode se sobrepor à ação do Guia e virmos a falar algo que não é tão verdadeiro assim.
E um outro ponto que nosso animismo muitas vezes atrapalha é em relação ao nome do nosso Guia. E, no caso da nossa conversa de hoje, no nome do Preto-Velho. E como isso acontece?
Quando o cambono ou alguém da corrente vai perguntar pela primeira vez ao nosso Guia qual é o nome dele (e gente, para o médium iniciante ou não treinado, isso é um momento de stress muito grande, porque ele mesmo se questiona sobre qual nome vai sair de sua boca e, ao mesmo tempo tem que dar uma resposta), naquele momento, a mente inconsciente, em frações de segundo, percorre todos os nossos arquivos mentais em busca de nomes que nos sejam familiares.
E, aí, se não estivermos bem relaxados para que a ação do Guia seja mais forte que a ação de nossa mente inconsciente, o animismo fala mais alto, e vai sair da nossa boca um nome que a gente conhece e que, provavelmente, já é, também, um nome muito popular e, por isso, é o que mais “grita” no nosso inconsciente.
É por isso que há, por aí, tantos, Pais Joaquins, tantas Vovós Marias Congas, tantas Vovós Cambindas!
E, cá entre nós, é bem mais fácil para a nossa mente deixar sair pela nossa boca os nomes que são bem mais conhecidos que outros, como um “Pai Elesbão”, uma “Vovó Engrácia”, uma “Vovó Miquelina” e tantos outros que a gente nem ouve mais falar por aí..
E o mesmo acontece com outros Guias! Quantos Exus Tranca Ruas existem no seu terreiro? Quantas Caboclas Juremas e Mariazinhas da Praia???
E, ainda em questão de nomes de Pretos-Velhos, há uma outra coisa interessante que o animismo pode acarretar.
Os Pretos-Velhos, na personificação de suas falanges, representam os povos africanos que, na diáspora para o Brasil, foram escravizados. Então, é muito comum que, nos próprios nomes dos Pretos-Velhos haja já a menção a alguma nação africana.
Isso é muito fácil de ver quando ouvimos o nome de “Pai Joaquim da Angola”, por exemplo.
Mas, às vezes a nação já está no nome próprio e não percebemos e, aí, a nossa mente confunde tudo e cria nomes como “Vovó Maria Conga da Angola”. Se ela é Maria Conga, é porque seu nome faz alusão ao Congo. Mas ela é do Congo ou é da Angola?
Seria algo semelhante a falar “eu sou carioca de São Paulo”... Percebem?
E aí, além desse exemplo, a gente vê Vovó Cambinda (ou Cabinda) da Guiné (ela é da nação Cabinda ou da Guiné?), Rei Congo de Angola, Pai Guiné do Congo e por aí vai...
E essa questão do nome é uma questão muito importante, porque uma vez que tenha saído da boca do médium um nome desses, dificilmente o Preto-Velho conseguirá corrigir depois.
Eu até já vi Guias dizendo assim: até hoje meu cavalo achava que eu era “fulano”, mas meu nome verdadeiro é “beltrano”. Quando isso acontece, eu particularmente, fico muito feliz, porque quer dizer que o Guia conseguiu vencer a mente do médium a ponto de consertar um equívoco passado.
Mas nem sempre é tão fácil assim, porque às vezes, o Preto-Velho prefere manter aquele nome errado pra sempre, porque sabe que, se for consertar, talvez mexa com a fé de seu médium, com o seu brio, com a sua segurança.
Então é possível que haja sim, muito Pai Joaquim que não seja Pai Joaquim e muita Vovó Maria Conga que não seja realmente Maria Conga e muita Vovó Cambinda de Angola... E vai ficar assim...
Mas eu quero te dizer que, apesar de essa ser uma questão sensível, não é a mais importante!
É muito bom a gente saber o nome correto dos nossos Guias; mas, para eles, o mais importante é o trabalho que podem desempenhar, seja com o nome certo ou não.
Eu tenho um caso para contar que aconteceu comigo. Não foi com Preto-Velho (foi com Exu), mas se aplica também aos Pretos-Velhos.
Certa vez, uma amiga da minha mulher estava passando por problemas sérios e não podia ir ao terreiro; então, pediu à minha mulher que conversasse sobre o caso dela com o meu Exu.
Quando a minha mulher começou a contar o caso, o Exu perguntou o nome da pessoa. Quando ela falou, ele deu uma sonora gargalhada, e falou: ela é minha filha! Eu sou também o Exu dela.
E começou a falar detalhes sobre a vida dela, aconselhando, sobre coisas que nem eu e nem a minha mulher teríamos condições de saber, como se a conhecesse profundamente. E, no final disse: Eu sou o Exu dela, mas ela não me conhece pelo meu nome real (o nome dele é bem incomum); ela me conhece por “Tiriri”.
No dia seguinte, a minha mulher esteve com a amiga e repassou todos os conselhos. Ela ficou surpresa com o nível de detalhes. No fim, a minha mulher disse: e quem falou isso tudo foi o “Exu Tiriri”. Ela arregalou os olhos e falou: estou toda arrepiada! É o meu Exu!
Então, eu contei esse caso para vocês verem como que o nome não é o mais importante.
Mas como seria bom, né, se conseguíssemos sempre dominar nossa mente para sabermos o nome correto dos nossos Guias...
Mas, voltando aos Pretos-Velhos, eu quero falar sobre o trabalho que realizam no mundo espiritual.
No material, todos nós sabemos: eles aconselham como ninguém e têm sempre uma solução sábia para as nossas dúvidas. Mas e no mundo espiritual?
No mundo espiritual, os Pretos-Velhos trabalham incessantemente em duas coisas: no combate às forças trevosas do submundo astral e no encaminhamento de espíritos arrependidos, resgatando-os das trevas e levando-os para a luz.
Por esse trabalho tão próximo aos eguns, muitas vezes nós os chamamos de “Almas” ou “Santas Almas”, justamente por essa missão tão bonita de socorro espiritual. Aliás, a sua própria saudação é essa, né? “Adorei as Almas”!!!
E, também por essa tarefa junto aos que desencarnaram, levando-os das trevas para a luz, os Pretos-Velhos têm muita ligação grande com Xapanã (Omolu, Obaluaiê).
Xapanã é a vibração divina que estará junto a cada um de nós no momento do desenlace do espírito do corpo físico. E os Pretos-Velhos são os que buscarão auxiliar esse espírito recém-desencarnado a encontrar o seu melhor caminho de luz.
Por essa ligação estreita com Xapanã, nós dizemos que os Pretos-Velhos são “Falangeiros de Demanda” de Xapanã; ou seja, eles trabalham, eles “demandam” contra as trevas sob a vibração de Xapanã para fazer com que a luz vença a escuridão, para cada espírito recém-desencarnado ou que esteja em condições de ser socorrido no mundo espiritual.
Pela ligação com Xapanã, também, a cor de sua guia é o preto e branco (a de Xapanã, em muitos terreiros, é preto, branco e vermelho). Aliás o preto e branco também tem outra conotação, que é a alternância das trevas para a luz.
Também pela ligação com Xapanã e com as Almas, o dia consagrado aos Pretos-Velhos é a segunda-feira, que é quando as pessoas costumam colocar o copinho com café amargo e a sua velinha para os vovôs.
Aliás, eu falei em café amargo, mas eles podem beber também, além do café frio e amargo, vinhos ou licores (conheci uma vovó que bebia licor de jenipapo).
São ervas de uso comum pelos Pretos-Velhos o guiné, a arruda e a lágrima de nossa senhora, tanto que alguns Pretos-Velhos utilizam até guias ou terços de lágrimas de nossa senhora em seus trabalhos.
Enfim, não há terreiro de Umbanda que não tenha seus trabalhos com nossos queridos vovôs e vovós da Umbanda.
Pode mudar o ritual, o tipo de vestimenta e a forma como são cultuados... Mas os Pretos-Velhos sempre estarão nos nossos terreiros...
E que bom que é assim, né gente?
O que seria de nós sem os abraços do vovô e os conselhos da Vovó?
Pai Luis Eduardo
- Umbandista há 45 anos
- Dirigente espiritual da Casa do Caboclo Ubirajara há 15 anos
- Tarólogo
- Psicanalista
- Palestrante
- Radialista
- Administrador de Empresas. [+ informações de Luis Eduardo]
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Pai Luís Eduardo, Axé! Estou começando, engatinhando pelos estudos do Sagrado Afro- e Afro-Brasileiro. Eu estou encantado com seu texto. Obrigado. Roger.
Excelente explicação...do jeitinho que aprendi na Umbanda!
Muito Axé pra vc, meu irmão!✨️🕊✨️