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Violências raciais - O que não tem sido dito na e sobre a escola?

Por: Yakekere Katiuscia de Yemanjá


26/08/2024 | 16:53


Confesso a vocês que apesar de corpo alvo desse dilema social, que estraçalha nossos sonhos de viver mais ternos, eu fugi o quanto pude de escrever o que falarei aqui.


Sinceramente não sei se essa fuga tem relação com o que aponto no capítulo “Pedagogias que cortam” do livro Lute como uma professora, onde lembro que escola ao mesmo tempo que se apresenta como lugar de violência para muitas vidas negras e periféricas, se constituiu como única possibilidade de essa população existir socialmente - ou se por que falar disso me remete a fantasmas assustadores, tais quais as máscaras brancas que raptaram nossos antepassados para a travessia do além-calunga.



A questão é que diante da chuva de casos que não param de eclodir nas redes me pus a pensar o que meu não dizer poderia também estar silenciando sobre a instituição escolar, inclusive em mim.


De poucos anos pra cá, a mídia tem aumentado o anúncio de situações de violência racial na escola. Recentemente, Casos como a da aluna atacada por professores com “suas piadinhas RACISTAS inocentes”, como a do professor e Babalorixá Antony Rocha, que foi denunciar para a gestão da escola em que trabalha o racismo religioso o qual estava sofrendo e aí passou de vítima a algoz, casos inúmeros de crianças negras atacadas por colegas de turma em suas instituições de ensino privadas e públicas.


Isso me colocou a pensar: o que está acontecendo dentro da escola e que não está sendo dito sobre ela? E por que não dizemos, afinal?


Claro que os casos que ganham comoção têm sido denunciados por artistas ou militantes, e nunca que seja menor, mas precisamos lembrar que esses que chegam à tona, não representam 1% do cotidiano das comunidades e periferias.


Nos territórios periféricos, a lógica de exclusão silencia tanto que se torna comum a existência de negligências e injustiças sociais dentro dos espaços de políticas públicas que deveriam estar a combatê-las. Infelizmente, a estrutura colonial ainda se impõem a toda força.


É lógico que reconheço os avanços dentro do espaço escolar, afinal estive nele por muitos anos, e ainda estou ligada a ele de algum modo; sei muito bem quem foi que batalhou por essas mudanças e quanto custou essa conta.


Contudo, preciso dizer que estes movimentos de pluralismo racial têm sido feito quase solitariamente pelo grupo negro que , a partir das lutas raciais por direitos, foram entrando nos espaços acadêmicos e consequentemente nas instituições legitimadoras, exigindo que a história que a história não conta, fosse então falada. Uma luta um tanto desigual e pesada.


O grupo negro tem colocado tanto seus corpos no enfrentamento pela mudança que, não obstante, temos visto o adoecimento mental em níveis absurdos dessa população que ocupa esses espaços de produção de políticas públicas.


Professores negres que decidem levar a tão desejada educação antirracista pagam com a própria saúde essa conta. Em mãos, uma lei de 21 anos e o sonho de não mais ver a população negra esquecida de quem é e da dignidade de vida que precisa para existir.


Isso não é exclusivo da escola, saúde, parlamento, jurídico… esses corpos se colocam em enfrentamentos pela educação racial para que a sociedade reconheça o quanto racista é, e a urgência de avançarmos em mudanças.


Mas todas essas esferas nos remete ao fatídico PROCESSO EDUCATIVO! Ele é a base de fato da transformação. E a questão é como fazer de modo saudável algo que a estrutura das instituições só querem para dar conta de preencher os documentos de atendimento das tais políticas antirracistas.


Parece duro o que estou falando, e confesso que tento sair desse lugar-corpo atacado, mas é extremamente difícil quando você é uma das pessoas atropeladas pelo racismo escolar. Vivi 22 anos no serviço público em práticas educativas tanto na saúde quanto na educação. E experienciei enquanto mulher de axé e posteriormente entendida como pessoa negra, os cortes de buscar por justiça social.


No tal lugar de fala, acabo tendo até Phd em auto-sacrifício e observação do sacrifico dos meus, triste, mas real. No espaço escolar, observei o tamanho da dificuldade que o corpo negro docente tem para fazer trabalhos tão afetuosos, tão dignos e tão fundamentais. A questão é fundamental para quem?


Quando pensamos na 10639 ( lei que institui a política de ensino da história da África e da cultura afro-brasileira) em seus poucos, porém intensos 21 anos, e nos deparamos com a dificuldade de seu cumprimento, isso já diz quase tudo sobre o não estamos falando da escola brasileira.


A lei entrou na educação básica. Sim, é verdade, a muita pressão, ela chegou. Lamentavelmente, não se firmou ainda, e ultimamente tem só preenchido papel de atendimento da política racial.


Na graduação, tem sido só um número, e algumas vezes um flerte, por aí a gente vê o tamanho do buraco que estamos caindo quando ousamos a fazer cumprir de fato, com integralidade e responsabilidade esta lei tão batalhada pelos movimentos negros.


São tantos casos de violência no espaço escolar, fomentado por seus currículos, pensamentos e atitudes que chega a dar vontade de falar para nossa gente: deixa isso para lá. Mas só nós sabemos que deixar de pleitear mudança é uma saída de morte, então o que temos de fazer é buscar estratégia.


Vocês sabem que eu gosto de contar histórias em meus textos, mas estas aqui doem bastante, então vou enumerar apenas as ocorrências: filhos daqui do chão ancestral, pessoas negras, adoecidos pela graduação, por ser constantemente excluído dos processos de bolsas, de sua inteligência e pró-atividade. Isso sem considerar as inúmeras dificuldades desses jovens se manterem nesses espaços.


Estou falando de jovens com crises absurdas de ansiedades, sem vontade de de voltar, com raiva do espaço acadêmico, sem direito de colocar suas vivências, saturados pelas piadinhas racistas, pela perseguição escancarada. Será que esses adultes acadêmicos não podem se comportar como sujeitos mais humanos e justos? Se lá como gente normal?


São professoras de axé tendo seus corpos desmerecidos com violências inúmeras, como questionamentos de suas competências para o cargo, outras perseguidas por direção pela posição política de vida, sufocadas por pais e até as gestões da própria rede de ensino que deveriam administrar as mudanças necessárias para uma escola mais equânime.


Pessoas negras que têm se cansado de estarem sozinhas nesses espaços de enfrentamento, de verem alunes sofrer racismo por outres do mesmo espaço, de verem o avanço das políticas de atraso, de ódio, de segregação, enfim…


A escola ( que o ocidente criou ) sempre foi levantada como a solução para mudanças sociais. De fato, aquele é um espaço mesmo de múltiplas vivências, elas estão lá, mas não é verdade que é um espaço libertário, desculpem, mas não é. Muitas vezes essas vidas não podem ser elas, elas não se veem ali.


Negligenciar o potencial controlador de um currículo engessado, de uma rede que fragiliza e se fragiliza, ficando a mercê das mesmas políticas coloniais, das interdições de falar sobre as diferenças.


Negligenciar o fato que há anos essa escola machuca em nome da não queda deste espaço por acreditarmos que ele promove mudanças, é realmente manter tudo como está.


Que a educação é fundamental, isso a gente sabe bem. Mas de qual estamos falando? Que a educação formal e seus espaços são para muitos e muitas a configuração de uma lugar para se desenvolver, sim, é verdade. Só não é única possibilidade de existir, isso não é mesmo.


Eu vou finalizando com algumas perguntas, e desde já dizendo que esse texto que é não um manifesto contra a educação escolar, e sim um esboço de provocação para não deixar mais que a gente se silencie diante das violências escolares. Eu não sou contra a escola, eu até estive lá! Eu me ponho contra os atos de violência perpetuados neste espaço que se diz a saída para a mudança.


Quem de nós consegue hoje por em prática uma educação de justiça racial e social com toda tranquilidade na escola? Quem pode ter a tranquilidade de saber que não será insultado pela sua cor, seu cabelo ou suas vivências comunitárias? Quem pode ter a certeza que vai estar representado no currículo escolar e nas filosofias da gestão escolar? Quem é que pode existir de fato na escola de hoje?


“É preciso uma comunidade inteira para educar”, por isso “Não basta ter apenas boa vontade”, afinal de boa vontade o inferno está cheio. Axé.



Katiuscia de Yemanjá - AxéNews

Yakekere Katiuscia de Yemanjá

IYÁ Katiuscia de Yemanjá, mulher de terreiro, mãe, Yakekere do Rei Xangô, da família Òbá Labi, corpo-memória cabocla-nordestina ; forjada pela força e o afeto das muitas mulheres. “De anel no dedo e aos pés de Xangô”, mestre em linguagens pela UERJ, professora da educação básica pública e periférica, pesquisadora e defensora dos saberes ancestrais na diáspora. [+ informações de Yakekere Katiuscia de Yemanjá]



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1 Comment


souzasantosmonique
Aug 27

A bênção , mãe . São tentas as violências que nossos corpos negros sofrem e veem outros corpos irmãos sofrerem que o silenciamento acaba nos servindo como refúgio .

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