Por: Mãe Emmanuelle
19/09/2023 | 17:11
Certa vez em uma gira, perguntei à uma moça da assistência, se ela queria mais um banquinho. Ela me respondeu "Não, eu não tenho ninguém na minha vida".
A tal moça nunca havia se casado nem tido filhos e era órfã de pai e mãe. Chegava sempre ao terreiro com uma blusa branca, uma saia longa azul estampada com verde, cabelos amarrados num coque e uma sacolinha de uma loja de departamentos conhecida, na qual ela colocava sua carteira, uma garrafa dagua e as chaves. Ela não olhava nos olhos de ninguém... andava sempre de cabeça baixa.
Eu tinha lá pros meus 16 anos, e era somente uma menina curiosa que cambonava vez ou outra a vovó cambinda. E toda quarta feira, a moça que nao tinha ninguém, lá estava a chorar no colo da vovó.
"Eu estou farta da minha vida, só estou aguardando a hora que Deus me levar. Eu não tenho mais ninguém. Minha vida acabou. Coitada de mim... Deus não teve nem piedade e compaixão. Eu não merecia isso, não, vovó. Estou cansada. Deus é injusto! " - dizia a 'moça que não tinha ninguém' .
Vovó cambinda só baforava o cachimbo, nada dizia. Toda vez era assim.
Mas toda boa história tem a frase: 'até que um dia' ... E a nossa não seria diferente 🤣.
Um belo dia, a moça nem precisou sentar no banquinho da vovó. A preta velha já desceu e me chamou:
- Criança, como é mesmo que você chama aquela moça ali?
- Olha vó, eu não fiz nada...
- Se acalma, moleca... vó não vai brigar não.
- Eu não sei o nome dela, vó. A única coisa que sei é que ela não tem ninguém nessa vida.
- Então chama ela pra véia.
E assim entrou a moça, de cabeça baixa, a mesma blusa branca e saia estampada. Sentou em frente a vó, e quando ela ia abrir a boca para começar a falar das injustiças de Deus a vó disse:
- A véia já ouviu muito, fia. Hoje suncê vai escuta véia. Suncê tem nome, fia?
- Sim, Elisangela...
- Pois esse nome teu tá errado fia. Sua identidade se tornou 'a moça que não tem ninguem".
A moça arregalou os olhos.
- Essa é sua identidade porque suncê está escolhendo ser reconhecida pela sua dor. Sua dor te limita. Mas fia, suncê não é sua dor. A dor faz parte da sua trajetória, mas não é suncê. Suncê tem uma identidade, um nome. O pai maior lhe deu uma missão e sua missão não é ficar parada que nem uma estátua na dor, pro povo se compadecer de suncê. Suncê pode ser muito mais do que a 'a moça que não tem ninguém '. Já é tempo de não se vê mais como coitadinha.
A moça se levantou do banquinho furiosa, foi embora e nas quartas seguintes não apareceu.
Dois meses se passaram...
E numa gira de preto velho, entra uma moça com os cabelos soltos, maquiada, perfumada e de mãos dadas com um rapaz. Vai direto até a vovó Cambina. Beija as mãos da preta velha.
- Oxalá lhe abençoe, fia. A moça que não tinha ninguém, agora tem alguém não é mesmo?
- Lhe peço perdão vó, por minha atitude. Fiquei brava mas a senhora tinha razão, eu estava fazendo minha dor de muleta.
- E agora fia redescobriu sua identidade não é, mesmo?
- Sim vó. Eu tenho um nome pois eu não sou minha dor. Eu me chamo Elisangela. Essa é minha identidade. E eu nunca fui sozinha.
***
E você?
Esta vivendo sua identidade, aquilo que você foi feito para fazer e viver, ou está fazendo sua dor de muleta?
VOCÊ NÃO É SUA DOR.
A DOR NÃO LIMITA QUEM VOCÊ É.
Com amor,
Mãe Emmanuelle Andrade
Emmanuelle Andrade é Sacerdotisa de Umbanda na Tenda Espiritualista Nossa Senhora de Fátima, Terapeuta Holistica, Condutora do círculo de Sagrado Feminino Roda das Marias, Oraculista e facilitadora de cursos de cultura Cigana e Afro Brasileira.
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